As produções de crianças apresentadas pela consulente são desvios que na literatura especializada são designados por duplicação do clítico (próclise e ênclise em simultâneo).
Nos estudos realizados no âmbito da aquisição de pronomes clíticos em Português Europeu como Língua Materna, registam-se sobretudo problemas relacionados com a próclise (colocação do clítico antes do verbo) em idades precoces. Todavia, se consideramos dados de produção espontânea em idade pré-escolar, como por exemplo os recolhidos em Duarte et al. (1995)1, verifica-se que, na aquisição do português europeu, se podem encontrar diferentes tipos de produções desviantes: i) ênclise (colocação do clítico depois do verbo) em contexto de próclise; ii) próclise em contexto de ênclise; iii) mesóclise (colocação do clítico no interior do verbo) na ausência de futuro e de condicional; iv) duplicação do clítico, caso apresentado pela consulente.
Num estudo de João Costa e Maria Lobo2 sobre aquisição da posição dos clíticos em português europeu, os autores identificaram desvios de duplicação do clítico. Todavia, os contextos em que estes ocorreram são um pouco diferentes daqueles apresentados pela consulente. Nesta investigação foram identificados casos de duplicação do clítico em contextos de próclise (situações de negação e com o advérbio já), como por exemplo, «não se escondeu-se» ou «já se levantou-se».
Nas situações apresentadas pela consulente, a duplicação do clítico acontece em contextos de ênclise, o que pode indiciar que a criança não adquiriu ainda as regras de colocação do clítico em português europeu e, por essa razão, sobregeneraliza as regras de utilização da próclise.
1. Duarte, I., G. Matos e I. Faria (1995) Specificity of European Portuguese Clitics in Romance. In I. Hub Faria e M. J. Freitas, eds. Studies on the Acquisition of Portuguese. Lisboa: APL/Colibri.
2. Costa, J. e M. Lobo (2013) Aquisição da posição dos clíticos em português europeu. XXVIII Encontro Nacional da Associação Portuguesa de Linguística. Textos selecionados. APL: Coimbra, pp. 271-288.