Do ponto de vista da norma-padrão, as orações «"espera-o" vir», «estamos "esperando-o" chegar» e «estamos a "esperá-lo" chegar» são agramaticais. As formas corretas são, respetivamente, «espero que ele venha», «estamos esperando que ele chegue» e «estamos a esperar que ele chegue», tanto em Portugal como no Brasil como noutros países de língua portuguesa.
Em casos em que o verbo em questão seleciona uma oração subordinada substantiva completiva1, o verbo da subordinada ocorre no conjuntivo (subjuntivo no Brasil), sempre que tem valor referencial diferente do do sujeito de esperar, como se comprova em 1 e 2:
1. «espera que ele venha»;
2. «estamos esperando que ele chegue».
Em 1, o sujeito de «espera» não é o mesmo de «venha», e o mesmo acontece em 2, com «estamos esperando»2 e «ele chegue».
No entanto, o verbo em dúvida pode ser seguido de uma oração subordinada de infinitivo, quando o sujeito que lhe está associado e o sujeito da oração subordinante tiverem a mesma referência (i. e., dizem respeito à mesma pessoa):
3. Espero vir/chegar ainda hoje.
Em 3, o sujeito subentendido de esperar é eu, e o de vir/chegar também, coincidência que legitima a oração de infinitivo.
As construções «espera ele vir» e «estamos esperando ele chegar» podem atestar-se, por exemplo, no Corpus do Português (Mark Davies), e talvez se trate de usos coloquiais que as fontes gramaticais consultadas3 não referem.
Menos legítima se torna ainda uma construção como «espera-o vir», que não encontra qualquer atestação. O caso de ver, compatível com a construção com -o e infinitivo («vejo-o chegar»4, que se aceita sem estranheza) está circunscrito aos verbos de perceção (ver, sentir, ouvir) e causativos (mandar, por exemplo: «mandei-o estudar»), e não é generalizável a verbos como lamentar e esperar, que mostram o contraste existente nos exemplos 1/2 e 3, de acordo com a anterior descrição. Assim como se diz corretamente «lamento que ele venha» (e não *«lamento-o vir»), também se formulam frases como «espero que ele venha» (e não *«espero-o vir»).
Agradecemos as palavras de apreço.
1 Em Portugal, o equivalente de «estamos esperando» é «estamos a esperar», mas parece mais corrente a construção com a locução «à espera»: «estamos à espera».
2 «Orações completivas são aquelas que satisfazem as propriedades de seleção de um dado predicador, ou seja, que funcionam como argumento desse predicador» Raposo, J. P., et al (2013). Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, pp. 1821.
3 Cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo (Edições João Sá da Costa, 1984); Evanildo Bechara, Moderna Gramática Portuguesa (Editora Lucerna, 2003); e E. B. Paiva Raposo et al., Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013-2020).
4 Raposo, J. P., et al (2013). Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian: Lisboa, pp. 1859.
N. E. (05/10/2021) – Tendo chegado alguns comentários do Brasil, segundo os quais «espera-o vir» terá de constituir uma sequência gramatical, junta-se o parecer da consultora Carla Marques a respeito do funcionamento de esperar com complementos oracionais:
« Não consigo saber se esta construção [«espera-o vir»] terá alguma aceitabilidade no Brasil. No português europeu, não me parece.
No quadro das construções de controlo:
- se considerarmos esperar um verbo de crença, ele só pode selecionar uma oração infinitiva que tenha o mesmo sujeito ou uma infinitiva flexionada com o sujeito preferencialmente em posição pós-verbal (em situações limitadas, como «espero estarem os bolos prontos»); ou seja, ele será um verbo de controlo do sujeito da oração subordinante;
- não poderemos interpretar que o verbo esperar determina o controlo do complemento direto da oração subordinante (o que acontece em «aconselhou-te a estudar), porque neste caso a oração subordinada seria introduzida por preposição.
No quadro das construções de elevação, estaríamos perante a elevação do sujeito da subordinada para complemento direto da subordinante (o que justificaria a forma acusativa do pronome); nestas construções, o complemento direto não é argumento do verbo principal nem recebe papel temático dele, mantendo-se sujeito semântico do verbo da subordinada. Parece ser este o comportamento do verbo na frase apresentada, mas, a meu ver, a sua agramaticalidade reside no facto de o verbo não ser causativo ou de perceção (como se afirma na resposta), pelo que não estará na natureza do verbo esperar pedir uma construção de elevação.
Também por estas razões, a construção «creio-o estar feliz» não me parece aceitável. O verbo de crença selecionaria uma oração completiva com o mesmo sujeito («creio estar feliz»). A construção natural será com completiva («creio que ele está feliz») ou com predicativo do complemento direto («creio-o feliz»). O mesmo se aplica a esperar.»
N. E. – Resposta alterada em 02/01/2021. Onde se lia «... e trata-se de usos coloquiais que as fontes gramaticais consultadas não referem» passa ler-se «... «e talvez se trate de usos coloquiais que as fontes gramaticais consultadas não referem».