De acordo com o Dicionário Terminológico (DT), a função sintáctica modificador é «desempenhada por constituintes não seleccionados por nenhum elemento do grupo sintáctico de que fazem parte. Por não serem seleccionados, a sua omissão geralmente não afecta a gramaticalidade de uma frase. Ex.: A Ana cantou [quando tu chegaste de França]», e o complemento oblíquo é definido como sendo «um complemento seleccionado pelo verbo. Ex.: O João mora [aqui]». Sendo assim, a ausência do complemento oblíquo gera agramaticalidade de enunciados.
Por outro lado, o Dicionário Houaiss apresenta como uma das definições do verbo pousar «colocar [algo] (no chão ou em outro lugar)», apresentando-se justamente como exemplo uma frase muito semelhante às propostas pela consulente: «pousar a jarra (na mesa)». Repare-se que o constituinte «na mesa» surge isolado por parêntesis exactamente pelo facto de a sua presença não ser essencial para manter a gramaticalidade da frase. Deste modo, «na mesa» e «na estante», em total sintonia com a definição transcrita do DT, serão modificadores (verbais) e não complementos oblíquos.
Porém, na Gramática da Língua Portuguesa, de Maria Helena Mira Mateus e outros, 2003 (p. 294), considera-se que se chama «relações oblíquas [...] às relações gramaticais que não são centrais». Assim, «têm relações gramaticais oblíquas tanto argumentos obrigatórios» — ex.: «O João pôs o livro [na estante]» — «e opcionais» — ex.: «O Pedro viajou [do México] [para Lisboa]» — «do predicador verbal (i. e., complementos do verbo) como adjuntos» — ex.: «O meu amigo pintou esse quadro [para a Maria]». Assim, para distinguir oblíquos complementos de oblíquos adjuntos, propõem as referidas autoras a utilização dos seguintes testes:
«Os constituintes com relações gramaticais oblíquas que são complementos do verbo não podem ocorrer numa interrogativa segundo o esquema O que é que SU fez OBL?/O que é que aconteceu a SU OBL?, sendo a resposta mínima não redundante o SV constituído pelo verbo e pelos respectivos complementos» (p. 294) — ex.: «P: *O que é que o João fez [na estante]?/R: *Pôs o livro; *O que é que o Pedro fez [do México] [para Lisboa]?/*R: Viajou» (o asterisco significa agramaticalidade). Por outro lado, ainda segundo Mateus e outros, op. cit., «os constituintes com relações gramaticais oblíquas que sejam adjuntos podem ocorrer numa interrogativa segundo o esquema O que é que SU fez OBL?/O que é que aconteceu a SU OBL?, sendo a resposta mínima não redundante o SV constituído pelo verbo e pelos respectivos complementos» — ex.: «P: O que é que o meu amigo fez [para a Maria]?/R: Pintou esse quadro» (p. 295).
Deste modo, e de acordo com a perspectiva de Mateus e outros, direi que, nas frases sugeridas pela consulente, «O aluno pousou o livro na estante» e «Pousa a chávena na mesa», os constituintes «na estante» e «na mesa» serão oblíquos complementos (opcionais), pois, se aplicarmos o teste recomendado pelas citadas autoras, verificamos que, por exemplo, «na estante» não pode ocorrer numa interrogativa segundo o esquema citado — P: *«O que é que o aluno fez na estante?»/R: *«Pousou o livro.» Refira-se ainda que Mateus e outros apenas consideram a existência de modificadores nominais, apositivos e restritivos [adjectivos e orações relativas (restritivas e apositivas)], distinguindo ainda as autoras estes dos apostos (op. cit., pp. 365-370), tal como surgem descritos nas gramáticas normativas.
Valerá ainda a pena dizer que Ana Maria Brito, uma das autoras da citada gramática, num artigo intitulado «Terminologia linguística para os ensinos básico e secundário: algumas reflexões sobre o subdomínio sintaxe», in Actas do Encontro Terminologia Linguística: das teorias às práticas, Porto, 2006, refere que, no que diz respeito à Terminologia Linguística para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS)1, cuja revisão veio a constituir o DT, «ao nível da frase e do grupo verbal, se justifica a distinção entre complementos e modificadores», ilustrando com os seguintes exemplos: «(a) A Maria foi a Paris; (b) A Maria foi para Paris ontem/na semana passada». Explica a referida investigadora que, em (a), «o grupo preposicional é um complemento do verbo ir, fazendo parte da sua estrutura argumental: não é suprimível, é dificilmente deslocável e no teste pergunta/resposta com o verbo fazer não pode surgir isolado na pergunta, como em: [...] * O que fez a Maria para Paris? Foi ontem» (op. cit. p. 31). Em (b), «pelo contrário, o advérbio ontem ou a expressão prepositiva «na semana passada» não fazem parte da estrutura argumental do verbo ir, como se pode comprovar pelo facto de ser suprimível, ser facilmente deslocável e pelo comportamento no teste pergunta/resposta: [...] O que fez a Maria ontem/na semana passada? Foi para Paris» (ibidem). Assim, conclui a autora que é esta a razão «pela qual nesta terminologia se abandona a função de complemento circunstancial, designação cómoda mas tantas vezes enganadora, pois mascara a distinção entre complementos e modificadores» (ibidem). De acordo, portanto, com os critérios enunciados por Ana Maria Brito, «na mesa» e «na estante» estarão ambos mais próximos da noção de modificador veiculada, pois, apesar de não se adaptarem ao terceiro critério exposto, isto é, comportamento no teste pergunta/resposta com o verbo fazer, são compatíveis com os outros dois: são suprimíveis e deslocáveis.
Pelo exposto, contudo, não podemos deixar de ser sensíveis ao facto de notarmos que existe, apesar de tudo, uma clara diferença entre os constituintes «na estante» e «na mesa», sugeridos pela consulente, e os constituintes «ontem» e «na semana passada», propostos por Ana Maria Brito no exemplo transcrito. Estes últimos enquadrar-se-ão na definição de adjunto (por oposição à de argumento) vertida na gramática de Mateus e outros (op. cit.): «unidades que fazem parte da interpretação situacional, mas não dependem de nenhum item lexical presente na frase, como acontece com expressões de tempo e muitas expressões de localização espacial.» «Ex.: encontraram-se com os jornalistas [ontem] [à noite]» (p. 184).
Assim, de acordo com as reflexões que aqui tecemos, será necessário, portanto, distinguir, ao nível do patamar de análise em que nos encontramos a trabalhar, três conceitos fundamentais: argumento obrigatório (ex.: «O João pôs o livro [na estante].»); argumento opcional (ex.: «O aluno pousou o livro [na estante].» e, finalmente, adjunto (ex.: «Partiram para Estocolmo [ontem à tarde].»).
Deste modo, o que me parece é que o DT tem em conta a noção de argumento obrigatório (= complemento oblíquo), de adjunto (= modificador), mas não se me afigura que contemple casos de argumento opcional, como os elencados pela consulente. Podemos eventualmente assumir que estes se encontrem no já tão lato conceito (como vimos) de modificador, visto que realmente são elementos não obrigatórios na frase, cuja ausência não gera agramaticalidade, contudo, seria mais produtivo, julgo eu, estabelecer uma diferença clara, como Mateus e outros propõem, entre argumentos (do predicador verbal) obrigatórios e opcionais, pois uns e outros são, como lembram as referidas autoras, complementos oblíquos , isto é, estabelecem relações gramaticais não centrais. Seguindo esta linha de raciocínio, julgo que tem razão a consulente em ficar algo confusa, pois creio existir um problema ao nível da adequação descritiva dos termos «complemento oblíquo» e «modificador».
Sugiro, portanto, à prezada consulente que exponha esta pertinente dúvida no sítio da própria DGIDC (Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular).
Esperamos, ainda assim, ter ajudado.
1 Abro aqui um parêntesis para dizer que de 2006 (ano em que foi redigido o presente artigo de Ana Maria Brito) a 2008 (altura da última revisão da TLEBS) os referidos conceitos (modificador e oblíquo) sofreram reajustamentos que culminaram nas definições transcritas do DT na parte inicial desta resposta.