DÚVIDAS

A sintaxe de «vir de carro» (transportes)

Eu e alguns colegas gostaríamos de receber a vossa ajuda no que diz respeito à análise sintática da frase seguinte:

«O Silva veio de carro para a escola.»

Muito obrigada.

Resposta

O verbo vir é transitivo indireto pelo que se constrói com um constituinte com a função de complemento oblíquo. Para além disso, é um verbo de movimento, pelo que será natural que se complete com constituintes que indiquem a deslocação para um dado local, ou de um dado local (para outro)1

Para identificarmos qual o constituinte que, numa dada frase, desempenha a função de complemento oblíquo, poderemos usar dois testes:

(i) a construção pseudoclivada: esta é uma estrutura que permite focalizar o verbo e seus complementos deixando de lado os modificadores do grupo verbal:

(1) «O João mora em Lisboa durante a semana.»

Se aplicarmos a construção pseudoclivada à frase, obteremos:

(1a) «O que o João faz é morar em Lisboa.» / «O que o João faz durante a semana é morar em Lisboa.»

(1b) «*O que o João faz é morar durante a semana.» / «*O que o João faz em Lisboa é morar durante a semana.»

(ii) o teste da pergunta-resposta:

(1c) P: «O que faz o João durante a semana?»

        R: «Mora em Lisboa.»

(1d) P: «O que faz o João em Lisboa?»

         R: «*Mora durante a semana.»

Ambos os testes mostram que o constituinte «durante a semana» pode ser afastado do verbo morar, enquanto o constituinte «em Lisboa» deve estar perto do verbo. Pode, assim, concluir-se que «durante a semana» desempenha a função de modificador do grupo verbal, ao passo que «em Lisboa» tem a função de complemento oblíquo.

Apliquemos os testes à frase apresentada pela consulente:

(2) «O Silva veio de carro para a escola.»

(2a) «?O que fez o Silva foi vir de carro.» / «*O que fez o Silva para a escola foi vir de carro.»

(2b) «O que fez o Silva foi vir para a escola.» / «O que fez o Silva de carro foi vir para a escola.»

(2c) P: «O que fez o Silva de carro?»

        R: «Veio para a escola.»

(2d) P: «*O que fez o Silva para a escola?»

         R: «Veio de carro.»

Os testes mostram que o verbo vir aceita ser separado do constituinte «de carro», mas não do constituinte «para a escola». Por essa razão, «de carro» desempenha a função sintática de modificador do grupo verbal e «para a escola» de complemento oblíquo.

Disponha sempre!

 

*assinala a estranheza da frase.

?assinala que a frase é dúbia relativamente à sua aceitabilidade.

 

1. Cf. Raposo, Gramática do PortuguêsFundação Calouste Gulbenkian, p. 1182

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