Agradecendo ao consulente o contacto e as considerações enviadas, convém começar por esclarecer que os conceitos de aférese e prótese são matéria da linguística, mais concretamente da fonética ou da fonologia, e não da estilística. Não se trata, portanto de figuras de estilo, mas, sim, de fenómenos fonéticos ou fonológicos (ver, por exemplo, "fenómenos fonológicos" no Dicionário Terminológico). Mas esta clarificação não invalida as questões levantadas, que são bastantes pertinentes e não têm uma resposta óbvia.
Assim, existem dois critérios – não infalíveis – para saber a relação cronológica entre duas formas:
– a etimologia, tendo em conta sobretudo o património de origem latina, porque daí provém grande parte do léxico português que corresponde a categorias mais básicas;
– e, em complemento, as atestações das palavras que se recolhem nos documentos escritos em português a partir a Idade Média.
Partindo destes critérios, comenta-se a seguir cada caso:
– Supõe-se que ainda precede inda, porque os documentos do século XIII apresentam a forma com a- inicial. Contudo, o a- parece não ter por enquanto explicação clara (segundo o Dicionário Houaiss) e, portanto, não terá sido impossível que, já em tempos medievais, inda concorresse com ainda. Na língua padrão, que é sempre resultado de uma seleção nem sempre de acordo com a sequência histórica (diacronia) dos factos linguísticos, é ainda a forma correta, considerando-se inda forma popular.
– Quanto a rebentar, aceita-se (embora com dúvidas) que o verbo procede do latim vulgar *repentare (o asterisco indica que é forma hipotética, reconstruída), verbo com que se relaciona repente, palavra constitutiva da locução «de repente» (ibidem).
Como o consulente bem diz, uma língua, apesar de ter regras resultantes das estruturas cognitivas de apreensão e representação do mundo, é também um produto social, que se consolida ao longo de gerações, refletindo, no entanto, a dinâmica histórica das comunidades que a utilizam. No caso do português e de outras línguas europeias e não europeias com criação literária e intenso uso administrativo, a norma-padrão costuma basear-se principalmente no dialeto ou nos dialetos de uma região considerada como central na vida de um Estado ou de outro tipo de unidade política. No entanto, acontece frequentemente que essa modalidade literária e administrativa adota igualmente formas dialetais e variantes sociolinguísticas, além de receber ainda empréstimos de línguas estrangeiras mais ou menos próximas e até geneticamente bem distintas.
No caso da elaboração da língua vernacular de Portugal, foi decisiva a instalação da capital em Lisboa, onde se encontrava a corte e a chancelaria real, bem como a fixação da universidade em Coimbra. Estas duas cidades, ligadas ao poder e ao prestígio das classes sociais de topo, desempenharam um papel fundamental na configuração da língua portuguesa, sobretudo a partir de fins do século XIV.