O caso apresentado é insólito e pode muito bem configurar não mais do que uma troca involuntária de verbos.
Na verdade, na escrita de textos eletrónicos acontece muitas vezes que o dicionário automático de apoio à escrita apresente soluções lexicais de configuração inicial semelhante, como é o caso de prevenir que partilha com pressentir o elemento pre- e que, como verbo da 3.ª conjugação (terminada em -ir), também exibe a vogal i na 1.ª pessoa do singular do presente do indicativo: pressinto, previno. Será, pois, plausível que o uso em questão resulte de um erro induzido pelo uso apressado das letras tecladas e das opções facultadas pela ferramenta de texto num processador de texto.
No entanto, pode também pensar-se que não há gralha (eletrónica ou outra) e que o uso em questão manifesta a intenção de tirar partido das potencialidades sintáticas e semânticas do verbo pressentir. Com este pressuposto, deve observar-se que se trata de um caso muito marginal e algo discutível.
Na verdade, enquanto prevenir é um verbo que tem uma componente semântica causativa, pois denota uma ação que leva alguém a outra ação ou a mudar de estado, com o verbo pressentir, à semelhança de outros verbos de perceção e de crença e conhecimento, o sujeito («eu pressinto») é sede (experienciador) da sensação e parece impedido de funcionar como agente. Sendo assim, «pressentir alguém» não pode ser equivalente a «prevenir alguém»: o uso de pressentir numa frase ativa leva a realizar ou a subentender um sujeito – «(eu) pressinto» – que tem o papel de experienciador1, pois, ao dizer-se «pressinto-o», dá-se conta de um estado subjetivo cujo conteúdo é o da sensação de proximidade de alguém («pressinto o João») ou de alguma coisa («pressinto a tempestade/a chegada dele») no espaço ou no tempo.
É esta a descrição do verbo nas fontes consultadas1, e, mesmo fazendo pesquisa das ocorrências de pressentir numa coleção de textos literários e não literários do século XIII à contemporaneidade (Corpus do Português, de Mark Davies), a conclusão é a de que falta ao argumento externo de pressentir a agentividade associada a prevenir ou a sinónimos como avisar ou alertar.
Resta mencionar a possibilidade de um erro ortográfico, levando a confundir precintar com pressentir, já que as formas da 1.ª pessoa do singular de ambos os verbos são homófonas (precinto e pressinto). Tal confusão, no entanto, é altamente improvável, porque precintar significa «cingir com precinta (faixa)», denotando uma ação com resultado concreto, longe, portanto, do efeito psíquico e cognitivo sugerido por pressentir, prevenir, avisar ou alertar.
1 Nos estudos gramaticais mais especializadas, diz-se que, numa frase ativa, o verbo pressentir, como tantos outros, tem associado um argumento externo que se realiza como sujeito frásico – «ele pressente a tempestade» – e um argumento interno que se realiza como complemento direto – «ele pressente a tempestade» – ver "Argumentos internos, externos e adjuntos do predicador" . Os termos experienciador e agente também fazem parte de estudos especializados e enquadram-se nos tipos de função e relação semântica (os chamados papéis temáticos como tema, agente, alvo, locativo, experienciador) que são estabelecidos pela predicação associada a uma frase – cf. "O significado de papel temático".
2 Dicionários de verbos consultados: W. Busse, Dicionário Sintáctico de Verbos Portugueses; J. Malaca Casteleiro, Dicionário Gramatical de Verbos; Celso Pedro Luft, Dicionário Prático de Regência Verbal; Francisco Fernandes, Dicionário de Regimes Substantivos e Adjetivos.