DÚVIDAS

A seleção do infinitivo pessoal por diferentes classes gramaticais

Tinha entendido, e corrijam-me se não é assim, que o uso do infinitivo pessoal era motivado por algumas partículas da língua (preposições, locuções prepositivas) ou contextos (depois de um verbo declarativo ou volitivo, numa frase subordinada em que há mudança de sujeito relativamente à oração principal).

Atendendo a estas considerações, não consigo explicar muito bem o uso do infinitivo pessoal na seguinte frase: «Ficares aqui só te vai trazer problemas», dado que interpreto «ficares aqui» como a oração principal. Posteriormente, intuí que não se trata de uma oração principal, mas uma subordinada, subentendendo-se no início da frase «o facto de ficares…».

Gostaria de saber se é assim e, no caso afirmativo, se haveria outros casos em que normalmente se omitisse essa preposição ou locução prepositiva inicial.

Muito obrigada pela sua preciosa ajuda!

Resposta

Na sua afirmação inicial, está presente alguma confusão que importa esclarecer. É o uso do infinitivo em geral (e não do infinitivo pessoal, em particular) que é selecionado por várias classes gramaticais. Assim, a oração infinitiva pode ser complemento de nomes (1), adjetivos (2), verbos (3), preposições (4) ou advérbios (5):

(1) «A certeza de ficar em Portugal descansava-o.»

(2) «Estava feliz por vir a Portugal.»

(3) «Ele quer vir a Portugal.»

(4) «Não vou a Portugal sem ter a tua companhia.»

(5) «Antes de partir, preparo as malas.»

O uso do infinitivo pessoal está relacionado com o facto de a oração infinitiva ter um sujeito próprio, diferente do sujeito da oração subordinante. Este sujeito poderá estar expresso (6) ou ser um pronome nulo (7):

(6) «Preocupa-me os meninos estarem na rua.»

(7) «Lamento [-]1 teres de vir até aqui.»

Já o infinito impessoal assume o mesmo sujeito da oração subordinante, pelo que o verbo não flexiona em pessoa e número:

(8) «Ele decidiu [ele] ver televisão.»

A frase apresentada pela consulente inclui uma oração infinitiva («Ficares aqui») com função de sujeito:

(9) «Ficares aqui só te vai trazer problemas.» (= «Isto só te vai trazer problemas.»)

No caso apresentado, é também possível a construção com infinitivo impessoal:

(10) «Ficar aqui só te vai trazer problemas.»

Neste uso, a oração assume um valor indefinido, podendo o seu sentido coincidir ou não com a entidade denotada pelo pronome pessoal te.

O infinitivo pessoal também é possível neste caso, como se observa em (9). Neste uso, o verbo tem um sujeito nulo que é correferente com o complemento indireto te, pelo que o sentido da oração infinitiva refere-se expressamente à entidade referida como tu. A opção pelo infinitivo pessoal permite, assim, dar um realce ao sujeito.

Finalmente, a proposta final apresentada pela consulente não é equivalente à frase apresentada em (9) porque evidencia uma realidade diferente. Em (11)

(11) «O facto de ficares em casa só te vai trazer problemas.»

estamos perante uma oração infinitiva («ficares em casa«) que é complemento do nome facto. O sujeito da frase passa a ser o grupo nominal «o facto de ficares em casa». Também nesta construção será possível optar pelo infinitivo pessoal ou impessoal, pelas razões apontadas no tratamento das frases (9) e (10).

Disponha sempre!

 

1. [-] assinala o pronome nulo.

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