Não sendo propriamente uma novidade no tema, trata-se de uma excelente compilação de histórias de centenas de expressões correntes, lugares-comuns e frases feitas que, ao longo dos tempos, se enraizaram na língua portuguesa e que continuam a fazer parte do nosso quotidiano. Assente numa recolha minuciosa feita a partir de uma série de estudos e obras desta mesma temática — esparsas e muitas delas já esgotadas ou fora do mercado —, o autor explora-as no contexto de várias épocas e áreas específicas.
Aqui se registam curiosidades de todos os tempos, da época clássica à actualidade, juntamente com o contexto e a origem (nalguns casos, suposta origem...) de cada expressão. Por exemplo, «ser um Adónis», com a génese na Grécia antiga. Ou «canto da sereia», «dar uma panaceia», «estar entusiasmado», «fazer momices», «nó górdio», «[recorrer ao] oráculo», «tomar um afrodisíaco», «trabalhos de Hércules», etc., etc., etc. Dos romanos rememoram-se outras histórias de palavras e expressões deles chegadas até nós: «abracadabra», «andar [ou ir] a penates», «ave de mau agoiro», «a Rocha Tarpeia», «brilhar pela ausência», «[uma] celeuma», «estar de boa-fé», «[ser] desastrado», «o primeiro milho é dos pardais», «[ser] verrinoso», e por aí adiante.
A «vara da justiça» encontra-se entre os exemplos de expressões originárias da Idade Média. Hoje — como lembra Sérgio Luís de Carvalho, neste seu Nas Bocas do Mundo, Uma Viagem pelas Histórias das Expressões Portuguesas (ed. Planeta, Lisboa, 2010) —, utiliza-se no vocabulário judicial, como uma secção de um tribunal. Na Idade Média, «os oficiais de justiça frequentemente eleitos entre a população local (...) usavam uma vara própria na mão quando exerciam funções. Essa vara era um dístico da função e uma marca da dignidade judicial».
Ainda deste período há todo um manancial do âmbito religioso («chorar como uma Madalena arrependida», «pregar no deserto», «velho como Matusalém», «olho por olho, dente por dente» ou «ter pés de barro»), das «coisas da gente comum» («andar à nora», «cor de burro quando foge», «de pequenino se torce o pepino» ou «sem papas na língua») e das artes e das letras («ao correr da pena», «eis o busílis», «falar de cátedra», «pôr os pontos nos ii» ou «queimar as pestanas»).
Da época moderna, período que vai do fim da Idade Média (séculos XV-XVI) até ao liberalismo e ao fim do Antigo Regime (século XIX), registam-se muitos e saborosos termos, que o autor arrola igualmente em apropriadas subdivisões. Trata-os nas «coisas de reis de cavaleiros (por exemplo: «ter falta de chá», «de se lhe tirar o chapéu» e «Maria vai com as outras»), da religião («andar com o credo na boca», «apertar o torniquete» ou «fazer mesuras»), de soldados e marinheiros («andar na mecha», «alça levantada» ou «pôr-se na alheta»), de outros povos (é o caso de «fazer banzé», corruptela de um grito militar japonês) ou do quotidiano português dos tempos da expansão marítima e da época colonial («o trabalho é bom para o preto», uma variante de «trabalhar como um mouro»...). E há, ainda, as que, de cariz erudito, se popularizaram entre nós — grande parte delas, por sinal, de origem estrangeira. Três exemplos: «arte de Talma», «[ser um] Tartufo» e «um lugar ao sol».
Centenas de outras histórias singulares explicam outros tantos termos e expressões consagrados pelo tempo e pelo uso popular. As mais recentes integram o capítulo da época contemporânea, provavelmente o mais inovador, por nada haver do género, assim tratado. Vão da política («[andar] de esquerda em linha», «vira-casacas», «ser um corta-fitas» ou «o povo é sereno»), até às coisas do dia-a-dia («beber um galão», «apanhar uma perua», «estar xexé», «de faca na liga», «vira o disco e toca o mesmo»...) da cultura, da comunicação e do desporto («os três da vida airada...», «novela do Tide», «aquela máquina», «patinho feio» ou «jogar um dérbi»).
Um último capítulo, “E o futuro?”, remete-nos para o chamado "internetês” e a sua proliferação via telemóveis, chats e SMS afins.
Obra assumidamente de divulgação, a verdade é que ela fica a constituir um precioso instrumento de consulta e de conhecimento destas ancestrais curiosidades da nossa língua, de acesso facilitado por um oportuno índice remissivo. Em contrapartida, faltou incluir o registo detalhado da bibliografia consultada — não colmatada nas referências e agradecimentos do autor, incluídos na Introdução. Uma mais cuidada revisão do livro evitaria também alguns descuidos de escrita mais apressada (ai, a “escorregadela” na confusão entre «soalheiro» e «solarengo»!...).
Cf. A curiosa origem de 27 expressões populares portuguesas
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