1. O Dia Mundial da Língua Portuguesa, festejado pela primeira vez em 5 de maio de 2020, ficou marcado por numerosas manifestações culturais – por meios digitais – e várias intervenções nos diferentes países da CPLP. Em Portugal, do muito que se publicou, selecionam-se dois textos para a rubrica O nosso idioma: do jornal Público, transcreve-se a mensagem assinada conjuntamente por quatro ministros do governo português, com o título "O valor global da língua portuguesa"; e, do Diário de Notícias, um artigo da presidente do conselho científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa, Margarita Correia, que, entre outras considerações, propõe pensar a língua portuguesa à luz do conceito de língua global (ver uma versão maior aqui). São de registar outras duas intervenções: a do primeiro-ministro António Costa, a dar relevo à diversidade cultural e à mestiçagem que o português agrega e favorece; e outra, disponível em vídeo, do secretário-geral da Organização das Nações Unidas, António Guterres, que sublinhou a presença cada vez mais visível da língua na cena internacional.
2. Muitos outros contributos podem ainda referir-se; são exemplos:
– um vídeo em que se recita Camões numa produção sob os auspícios da mais antiga universidade dos países de língua portuguesa, a Universidade de Coimbra;
– a crónica do jornalista português Francisco Sena Santos, que parte da carta de Pero Vaz de Caminha para refletir sobre o estatuto internacional do português;
– um texto do diretor interino do Diário de Noticias, Leonídio Paulo Ferreira, a respeito de quantos promovem o português entre falantes de outras línguas, em diferentes países estrangeiros, nas mais diversas atividades;
– no mesmo jornal, e também sobre a língua portuguesa, escreveu o jornalista Ferreira Fernandes;
– os festejos organizados em Angola, como é o caso da Semana da Língua Portuguesa de 4 a 8 de maio, organizada pelos ministérios da Educação e das Relações Exteriores deste país;
– e, divulgado no Diário de Notícias, o poema "Crónica verdadeira da língua portuguesa", da autoria do jornalista e escritor angolano João Melo – do qual se se transcrevem a epígrafe e alguns versos* evocativos de como a língua também se expandiu com crueldade e sofrimento:
«A língua portuguesa é um troféu de guerra»
Luandino Vieira
(...)
A libertação da língua portuguesa
foi gerada nos porões
dos navios negreiros
pelos homens sofridos que,
estranhamente,
nunca deixaram de cantar,
em todas as línguas que conheciam
ou criaram
durante a tenebrosa travessia
do mar sem fim.
Desde o nosso encontro inicial,
essa língua, arrogante e
insensatamente,
foi usada contra nós:
mas nós derrotámo-la
e fizemos dela
um instrumento
para a nossa própria liberdade.
(...)
* Fica também disponível, na íntegra, rubrica Antologia, que acolhe um largo conjunto textos, em prosa e em poesia, de autores lusófonos de diferentes épocas, em louvor da língua portuguesa.
3. O Ciberdúvidas da Língua Portuguesa também se integrou nas comemorações, graças ao generoso convite que lhe endereçaram as Bibliotecas Escolares do Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova, no sentido de dar a conhecer a atividade e o propósito destas páginas. No evento, que as circunstâncias da pandemia obrigaram a ter formato virtual (ler Notícias), o Ciberdúvidas fez-se representar pela sua consultora permanente, a linguista Carla Marques, cuja participação se guarda neste vídeo:
4. O cenário da data festiva tampouco fugiu ao cenário da pandemia de covid-19, que em Portugal entrou na chamada «fase de calamidade», que traz a atenuação das medidas de confinamento, embora se mantenham ou se adaptem restrições em certas áreas, como acontece no setor do ensino. É disto testemunho a análise crítica que o professor universitário Carlos Reis, antigo reitor da Universidade Aberta, dedica à questão do ensino à distância, a qual se transcreve com a devida vénia na rubrica Ensino (ver também ponto 9). Em tom e registo completamente diferentes, em O nosso idioma , disponibiliza-se uma crónica de Miguel Esteves Cardoso sobre esta nova fase que se vive, de progressivo desconfinamento, palavra que em poucos dias se tornou corrente* no dia a dia dos Portugueses. Finalmente, registo para a entrada de novos termos em "A covid-19 na língua": acrílico, circulação do vírus, dentistas, desinformação, FIFA bonds, janelas de confinamento, medidas extremas, marginalização (para como muitos destes termos se empregam, consultar também a página governamental Estamos On).
*Desconfinar é verbo derivado por prefixação de confinar, ou seja, por adjunção do prefixo des- ao verbo confinar, à semelhança da formação regular de desfazer (des- + fazer) ou desmontar (des- + montar). Quanto a desconfinamento, deriva este nome por sufixação do tema de desconfinar – desconfina- + -mento –, tal como acontece com confinamento, derivado de confinar pelo mesmo processo: confina- + -mento. O prefixo des- é bastante produtivo no uso e, portanto, revela potencial para fazer derivar palavras que nem sempre têm registo dicionarístico. Tal é o caso de desconfinar e desconfinamento que só recentemente terão entrado nos dicionários: com efeito, não constam de dicionários relativamente recentes não constam de dicionários relativamente recentes como o Houaiss (2001), o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (2001) ou o Grande Dicionário da Língua Portuguesa, da Porto Editora (2004), também estão ausentes dos vocabulários ortográficos, atualizados ou não (por exemplo, não se encontram no Vocabulário da Língua Portuguesa, publicado por Rebelo Gonçalves em 1966). Estão consignados, porém, no Dicionário Infopédia e no Dicionário Priberam, mas os registos, embora não datados, não devem ser antigos: o Dicionário Infopédia recolheu-os há pouco tempo, conforme se afirma numa publicação de 10/04/2020 no blogue O Linguagista, de Helder Guégués; quanto ao Dicionário Priberam, não é possível apurar a data de entrada dos vocábulos, mas a ausência destes nos dicionários e vocabulários ortográficos referidos, em conjugação com o caso do Dicionário Infopédia, deixa supor que desconfinar e desconfinamento só há pouco tempo foram listados. Na imagem à direta, um cartune da série Bartoon, de Luís Afonso (Público, 18/03/2020), que também ilustrou a Abertura de 18/03/2020.
5. Na rubrica Pelourinho, dois apontamentos sobre maus usos na televisão: a falta do ponto abreviativo na representação numérica dos numerais ordinais; e a troca de mais bem por melhor.
6. No Consultório, explica-se como as variantes acartar e acarretar não têm o mesmo uso. Comenta-se o adjetivo elegível, que ultimamente alargou a sua significação para se tornar sinónimo de qualificado. Regressa a sintaxe com duas questões sobre um tópico comum, as orações subordinadas adjetivas relativas: fala-se de um problema de concordância e da seleção do tempo e modo verbais nestas construções.
7. Falar sobre a língua portuguesa e as opções para coordenar e promover a sua unidade na diversidade é também trazer à discussão a questão ortográfica. Na área das controvérsias da rubrica Acordo Ortográfico, reproduz-se um texto da helenista Maria Mafalda Viana (Público, 05/04/2020), que apela a tratar a língua escrita em Portugal como património, tecendo críticas ao tratamento de certos aspetos filológicos pela atual norma ortográfica.
8. O tempo é ainda da comemoração da nossa língua comum, e, portanto, sugere-se uma vista por enquanto virtual ao renovado Museu da Língua Portuguesa, que renasceu literalmente das cinzas depois do terrível incêndio que o destruiu em 2015.
*Hora oficial de Portugal continental, com os três episódios disponíveis depois também na RTP Play, aqui e aqui, respetivamente.
9. Temas centrais dos programas de rádio que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa:
– no Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 8 de maio, pelas 13h20*, a projeção da língua portuguesa no mundo, as políticas da língua, ou a ausência delas, e o ensino em África, numa entrevista ao professor universitário Carlos Reis;
– no Página de Português, emitido pela Antena 2, no domingo, 10 de maio, pelas 12h30*, as professoras Lúcia Vaz Pedro, do ensino secundário, e Ana Josefa Cardoso, do 1.º ciclo, falam das aulas à distância no contexto do combate ao coronavírus: quais as principais dificuldades para professores e alunos? E como desenvolver as competências de expressão oral e escrita através da Internet?