1. Em Portugal, no meio de perplexidade geral, a vida política tem uma reviravolta, com a demissão do primeiro-ministro, a dissolução da Assembleia da República (AR) e a convocação de eleições legislativas antecipadas para 10 de março (sobre a crise e o seu contexto, mais informação aqui, aqui e aqui). À palavra eleição, dedicou-se nestas páginas um apontamento há menos de dois anos, nas vésperas do ato eleitoral de 2022, que deu ao Partido Socialista uma maioria absoluta que, afinal, não foi bastante para garantir estabilidade governativa. Sobre antecipada, trata-se do uso adjetival do particípio passado de antecipar, verbo originário do latim anticipare, literalmente «tomar mais cedo», que se atesta em português a partir do século XV. Antecipar aparece na lista dos usos problemáticos, quando significa «prever, antever», como respondeu o saudoso consultor Fernando Peixoto da Fonseca, observando: «Como sempre, qualquer dia tal emprego deixa de ser corrente para passar a correto [...].» Se é verdade que, no dicionário de Morais (1789), a antecipar não se associa essa aceção, no de Cândido de Figueiredo (1899) já ela faz parte da definição do verbo, embora sem abonações. Em todo o caso, a quem diga, por exemplo, «ninguém antecipou um desfecho assim» pode sugerir-se esta outra frase: «Ninguém previu um desfecho assim.»
Na imagem, o Palácio de São Bento, sede da Assembleia da República, visto da Travessa da Arrochela, em Lisboa (fonte: Wikipédia).
2. A comunicação nas redes sociais enreda-se frequentemente em polémicas inúteis e mal-entendidos motivados por indivíduos empenhados em causar confusão. A este tipo de comportamento aplica-se trolar, verbo derivado do inglês troll, que, em O Nosso idioma, é tema de uma reflexão da consultora Inês Gama, a propósito de um programa do canal de televisão português SIC Notícias transmitido em 03/10/2023. Na mesma rubrica, transcrevem-se com a devida vénia um artigo da jornalista Dora Alexandra, sobre termos corretos e incorretos para se falar de deficiência, e uma crónica do jornalista Nuno Pacheco acerca do programa radiofónico Assim Se Faz Portugal (TSF), cujas emissões têm escalpelizado os modismos e bordões recorrentes no discurso público.
3. A frase «ele referiu que as atribuições são criteriosas» estará correta? No discurso indireto, por uma questão de congruência, não será melhor «ele referiu que as atribuições eram criteriosas», com ambos os verbos no passado («referiu» e «eram»)? Esta é uma das sete perguntas da atualização do Consultório, a qual abrange outros tópicos: as formas verbais podemos e pudemos, os particípios passados do correto do verbo adstringir, os termos enclave e vigilantismo, os predicados verbais e a frase «não sei que te diga».
4. A discussão à volta do masculino gramatical referido a mulheres também vai acalorada noutras línguas que dispõem de idêntica estratégia. Em Diversidades, traduz-se, devidamente atribuído, um trabalho publicado no jornal britânico The Guardian em 04/11/2023, a respeito do modo como têm evoluído as propostas de linguagem inclusiva quanto ao género gramatical na França, Alemanha, Espanha e Itália.
5. Faleceu em 09/11/2023 o ensaísta e poeta Manuel Gusmão (Évora, 1945), figura cimeira do meio literário e académico português. Foi galardoado com o Prémio PEN Clube Português (1997 e 2009), o Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (2001), o Prémio de Poesia Luís Miguel Nava (2001), o Prémio Vergílio Ferreira (2005), o Prémio de Poesia António Gedeão (2014) e o Grande Prémio de Ensaio Eduardo Prado Coelho (2010). Teve ação notável como professor universitário na área dos Estudos Comparados e da Teoria da Literatura. Distinguiu-se ainda como redator das revistas O Tempo e o Modo, Letras e Artes, Crítica e Seara Nova e fez parte do conselho editorial da revista Vértice (fonte da informação: Nota do Secretariado do Comité Central do PCP em 09/11/2023).
6. Da atualidade literária, destaca-se a escritora portuguesa Lídia Jorge que, com o seu romance Misericórdia, arrebatou num intervalo de poucos dias o Prémio Fernando Namora e, ex-aequo, o prémio Médicis Étranger, organizado em França. Refira-se igualmente a 12.ª Conferência de Literatura em Língua Portuguesa, que decorrerá em 17/11/2023 na Universidade de Massachusetts Boston subordinada ao tema “Interartes na Literatura Lusófona” (mais informação na página do Camões, I. P.).
7. Quanto aos três programas que a rádio pública portuguesa dedica à língua:
– Em Língua de Todos, difundido na RDP África, na sexta-feira, 10/11/2023, às 13h20* (repetido no dia seguinte, c. 09h05*), entrevista-se Gilvan Muller de Oliveira, diretor da cátedra UNESCO em Políticas Linguísticas para o Multilinguismo, sediada na Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil), sobre os projetos desenvolvidos por esta instituição.
– Em Páginas do Português, transmitido pela Antena 2, no domingo, 12 de novembro, às 12h30* (repetido no sábado seguinte, 17 de novembro às 15h30*), conversa-se com Regina Duarte, comissária do Plano Nacional de Leitura (PLN), a respeito da Conferência PLN 2023, que se realizou em 24/11/2023. Inclui-se ainda o apontamento gramatical da professora Carla Marques.
– Mencione-se ainda Palavras Cruzadas, programa realizado por Dalila Carvalho e transmitido na Antena 2, de segunda a sexta-feira.
*Hora oficial de Portugal continental.
8. Um registo final para o 2.º episódio do podcast do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, dirigido aos estudantes do Iscte mas também acessível a quantos se interessam por temas do idioma português.