«(...) Se alguém se referir a mim como "deficiente", eu pessoalmente sinto que o adjetivo se aplica à generalidade da minha pessoa. Como se toda eu fosse deficiente, da cabeça aos pés. Mas se se referirem a mim como uma pessoa com deficiência, esta já se torna um pormenor, uma característica. (...)»
Pediram-me que escrevesse sobre a terminologia aplicada às pessoas com deficiência, para [a edição n.º 22] da revista Louis Braille [da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO)]. Porque durante dez anos me empenhei em fazer nascer e crescer o magazine Consigo, da RTP2, porque escrevi o [livro] A deficiência na comunicação social, guia de boas práticas para jornalistas no âmbito do Grupo de Reflexão Media e Deficiência do Gabinete para os Meios de Comunicação Social, e porque as palavras sempre foram o meu modo de vida.
Já ouvi pessoas com deficiência dizerem que não lhes importam as palavras usadas para se lhes referirem — deficiente, pessoa com deficiência, por exemplo — que tanto lhes faz. Mas acredito que as palavras que recebemos, de nós próprios e dos outros, importam e muito. Provocam-nos emoções, moldam-nos conexões neuronais e comportamentos, influenciam-nos o estado de espírito. Têm significados, senão não seriam palavras, e causam impacto em quem as ouve e sente. A própria Bíblia já dizia que «Há palavras que ferem como espada, mas a língua dos sábios traz a cura» (Provérbios 12:18), e a própria ciência tem vindo a comprovar esse poder.
No livro Words can change your brain, os investigadores Andrew Newberg e Mark Robert Waldman explicam que as palavras podem — literalmente — alterar o nosso cérebro, influenciando a expressão dos genes que regulam o stress físico e emocional.
Por exemplo, uma simples palavra negativa pode ter a capacidade de aumentar a atividade da amígdala (o centro identificador do perigo e do medo) e levá-la a libertar hormonas e neurotransmissores de stress, que por sua vez interferem na nossa capacidade cognitiva. Por outro lado, palavras positivas como «paz» ou «amor» podem estimular as ligações neuronais da zona frontal do cérebro, e assim melhorar a função cognitiva.
As palavras também têm o poder de nos apaziguar o espírito, conforme demonstrou um estudo da Universidade de Los Angeles (UCLA) publicado na revista a Psychological Science, e por isso expressar aquilo que nos perturba em palavras — escritas ou orais — ajuda a atenuar emoções negativas. O estudo, coordenado pelo Prof. Matthew D. Lieberman, verificou que olhar para uma imagem de alguém zangado ativava o tal centro identificador do perigo e desencadeava uma reação de stress no organismo. Mas se a imagem viesse acompanhada de uma palavra identificadora — «zangado» — essa reação era atenuada.
São apenas alguns exemplos do poder das palavras e da importância que lhes devemos dar, para nosso benefício. Há que escolher bem as palavras que dirigimos a nós próprios e aos outros, mas há que ter atenção também às palavras que os outros nos dirigem a nós. E, se for preciso, corrigi-los, ou instruí-los no sentido de escolherem palavras mais positivas e adequadas. Se alguém se referir a mim como «deficiente», eu pessoalmente sinto que o adjetivo se aplica à generalidade da minha pessoa. Como se toda eu fosse deficiente, da cabeça aos pés. Mas se se referirem a mim como uma pessoa com deficiência, esta já se torna um pormenor, uma característica.
Coloco a possibilidade de as pessoas com deficiência poderem ser especialmente vulneráveis ao poder das palavras que as rodeiam. Porque a sua própria condição pode, logo à partida, torná-las mais sensíveis, e porque a sociedade ainda não se habituou suficientemente à diversidade humana e, infelizmente, não sabe muito bem como lidar com ela. A todos os níveis, inclusive na terminologia.
Ainda circulam no vocabulário de muita gente — inclusive dos jornalistas — expressões herdadas de tempos menos esclarecidos, como «paralítico», «deficiente», «velho», «atrasado mental», «invisual», «mongoloide», «estar confinado a uma cadeira de rodas... Ao correr os olhos por estas expressões, mesmo que não se apliquem ao seu caso, o leitor sente o espírito mais alegre? Uma sensação positiva? Ou sente antes um vago sentimento de mal-estar? Vale a pena repetir a leitura da frase e perceber a sensação que estas palavras lhe provocam.
As palavras têm, de facto, o poder de nos influenciar o estado de espírito e de moldar as nossas conexões cerebrais. A psicoterapeuta britânica Marisa Peer, autora de vários livros e reconhecida mundialmente por resolver rápida e eficazmente situações de trauma e problemas psicossomáticos, recomenda aos pacientes um hábito muito simples: terem no espelho da casa de banho um post it com a frase «I am enough», algo como «eu sou suficiente», e repetirem para si próprias, durante pelo menos 21 dias seguidos, frases positivas como «I am lovable» [«sou digno/a de ser amado/a»], o que criará no cérebro novas conexões neuronais que tornarão mais frequentes os pensamentos positivos, e irão elevar a autoestima, o que por sua vez terá repercussões no comportamento e na qualidade de vida.
É abundante a informação científica que valida o poder das palavras, e por isso quis realçar neste artigo esse poder, para que mais pessoas beneficiem dele. Quis realçar também a importância de, no dia a dia, nos fazermos rodear por palavras positivas e adequadas. Nossas e dos outros, mesmo que tenhamos de os instruir.
No Guia de boas práticas para jornalistas, foi incluída uma lista de palavras preferenciais, com o aval do Instituto Nacional para a Reabilitação, para que estes profissionais soubessem como se referir aos entrevistados com incapacidades. Mas são sobretudo as pessoas com deficiência que têm a tarefa de fazer com que a sociedade se habitue à diversidade humana, e de estabelecer, no dia a dia, os padrões que querem ver respeitados, e as palavras pelas quais merecem ser tratadas. Pelos outros, mas também por si mesmas.
A EVITAR |
CORRETO |
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Cf. Dora Alexandre – A importância das palavras + Televisões com novas regras de emissão de programas acessíveis a deficientes
Artigo da jornalista Dora Alexandra, transcrito, com a devida vénia, da edição n.º 22 (2017) da revista Louis Braille, da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO)].