1. «Este livro, cujo êxito se me antolhava mau, quando eu o ia escrevendo, teve uma recepção de primazia sobre todos os seus irmãos. Movia‑me à desconfiança o ser ele triste, sem interpolação de risos, sombrio, e rematado por catástrofe de confrangir o ânimo dos leitores, que se interessam na boa sorte de uns, e no castigo doutros personagens» – confessava Camilo Castelo Branco (1825-1890) sobre Amor de Perdição (1862), escrito, segundo as próprias palavras do autor, na Cadeia da Relação do Porto, por causa do amor adúltero com Ana Plácido. Depositado desde 1943 no Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, o manuscrito deste retumbante sucesso literário do Portugal oitocentista encontra-se em exposição, de 16 de março a 8 de novembro de 2023, na Livraria Lello, na Cidade Invicta. Um ótimo pretexto, portanto, para conhecer ou reencontrar o universo da escrita camiliana, a qual, frequentemente evocativa dos ambientes rurais e urbanos do norte de Portugal, se distingue pela mestria da linguagem narrativa e pela opulência lexical, de fonte vernácula, para sublinhar paroxismos ultrarromânticos ou comentários do mais cruel sarcasmo.
A propósito da língua literária de Camilo, leiam-se, na Antologia, os excertos "Obriga-se o cronista", em que o escritor critica os lugares-comuns do estilo literário do seu tempo, e "A linguagem de Vieira...", um elogio da prosa seiscentista do Padre António Vieira. Na imagem, capa de uma edição de 1943 de Amor de Perdição (Domingos Barreira, Editor, e Livraria Simões Lopes).
2. Natália Correia morreu há 30 anos, em 16 de março de 1993. Nascida em 13 de setembro de 1923 na ilha de São Miguel*, Natália Correia foi escritora e poetisa conceituada, de pendor oratório e de veia não raramente satírica. Antes do 25 de Abril de 1974, participou nos movimentos oposicionistas, para, depois, com a democratização de Portugal, se tornar deputada à Assembleia da República, de 1979 a 1991. É sua a letra do hino dos Açores. O seu ativo compromisso cidadão e intelectual passou por uma vida editorial intensa e pela defesa do património, dos direitos humanos, das mulheres e da cultura. Dela é um soneto dirigido à língua portuguesa e incluído na rubrica Antologia, do qual, em jeito de homenagem, se citam aqui a primeira quadra e o primeiro terceto: «Tu que foste do Lácio a flor do pinho/ dos trovadores a leda a bem-talhada/ de oito séculos a cal o pão e o vinho/ de Luís Vaz a chama joalhada/ [...] eis-te bobo da corja coribântica:/ a canalha apedreja-te a semântica/ e os teus verbos feridos vão de maca.»
* Celebrações do Centenário de Natália Correia + “O dever de deslumbrar”
3. Nos testes escolares, por exemplo, a perguntas como «qual é a importância desta novela?», muitos alunos começam por responder assim: «a importância é que...», «a importância é porque...». Estarão estas construções corretas? Gramaticalmente, aceitam-se, mas, quanto ao estilo, devem evitar-se, conforme se observa na atualização do Consultório, que acolhe um total de nove respostas. Além da referida questão, de natureza estilística, esclarecem-se os seguintes tópicos: a etimologia do nome e adjetivo docente; a associação do relativo o que ao verbo gostar («do que gosto é de futebol»); o eventual valor argumentativo das frases complexas; a origem do termo clítico; a interferência do inglês num uso do verbo lidar; a formação dos nomes ritmação e ritmização; a forma pronominal «consigo próprio»; e a concordância de um adjetivo com dois ou mais nomes coordenados.
4. Quando se fala de línguas crioulas, vêm geralmente à mente a África ou as Américas. Contudo, a marca da colonização europeia, em especial a de origem portuguesa, é muito mais vasta. Na rubrica Diversidades, fica um apontamento da linguista Patrícia Costa dá conta da situação de uma língua crioula de base lexical portuguesa do Seri Lanca (ou Sri Lanka), país que ocupa a ilha de Ceilão, também mítica e camonianamente chamada Taprobana.
5. Se George Bernard Shaw (1856-1950) dizia que o Reino Unido e os Estados Unidos eram países divididos por uma língua comum – o inglês –, que pensar do português nas relações Portugal-Brasil? Sobre o tema e os preconceitos à sua volta, nas Controvérsias, recuperam-se e transcrevem-se, com a devida vénia, dois textos publicados em 2021 no jornal Público: "Xenofobia linguística" e "Os brasileiros têm 'meia língua portuguesa'?".
6. Uns toques... e bons! é o apontamento assinado no Pelourinho pelo jornalista José Mário Costa, a propósito do empenho do novo selecionador de futebol, de nacionalidade espanhola, em falar em português. E nas Notícias, assinala-se a tomada de posse do escritor, jornalista e biógrafo Ruy Castro como membro ("Imortal") da Academia Brasileira de Letras (ABL), que, assim, passou a ocupar a cadeira n.º 13, sucedendo ao falecido diplomata, filósofo, tradutor e ensaísta Sérgio Paulo Rouanet.
7. Outros registos:
– Avançam as obras do Museu da Língua Portuguesa em Bragança, o qual partiu de uma ideia do tradutor Chrys Chrystello, fundador e dinamizador dos Colóquios da Lusofonia.
– Concluiu-se a 1.ª série de Palavrões da Ciência, um programa realizado por Marco Neves e Cristina Soares.
– Integrado no projeto VAPA – Variedade do Português de Angola, prepara-se um volume intitulado "Português de Angola: fonologia, sintaxe e lexicografia", decorrendo o prazo para a apresentação de propostas de capítulos (mais informação aqui).
8. Relativamente a três programas dedicados à língua portuguesa na rádio pública portuguesa:
– Língua de Todos, transmitido na RDP África, sexta-feira, 17/03/2023, às 13h20* (repetido no dia seguinte, 18/03/2023, pouco depois do noticiário das 9h00*), discutem-se os desafios que o ChatGPT traz para o ensino e aprendizagem do português. Para abordar este assunto, conversa-se com a linguista e professora universitária, Margarita Correia.
– Em Páginas de Português, emitido pela Antena 2, no domingo, 29/03/2023, às 12h30* (com repetição no sábado seguinte, 25/03/2023, às 15h30*), entrevista-se Abdeljelil Larbi, tradutor de Camões e de Saramago, sobre o novo Dicionário Português-Árabe (Edições Colibri), uma obra com mais de 16 600 entradas que acaba de ser publicada. Neste programa, inclui-se ainda o apontamento da professora Carla Marques acerca do emprego de quem como pronome relativo ou pronome interrogativo.
– Refira-se ainda o programa Palavras Cruzadas, realizado por Dalila Carvalho, de segunda à sexta-feira, às 09h50 e 18h50*, na Antena 2.
* Hora oficial de Portugal continental.