Os versos apresentados integram o poema “Agora as Palavras”, de Eugénio de Andrade. Embora esta informação seja sempre necessária por uma questão autoral, no caso do estudo dos valores torna-se fundamental porque o contexto é determinante na sua avaliação.
Recordemos, uma vez mais, as palavras de Campos: «o valor aspectual de uma situação só pode ser estabelecido pela integração progressiva de todos os constituintes que participam na sua definição, a saber, verbo lexical, predicado (SV), sujeito, tempo verbal, adverbial temporal-aspectual, contexto discursivo.»1
Assim o aspeto habitual descreve uma situação que «representa um padrão de repetição da situação suficientemente relevante a ponto de poder ser considerado como uma propriedade característica da entidade representada pelo sujeito gramatical»2. Através do aspeto habitual descreve-se uma situação como repetida de forma ilimitada. O advérbio habitualmente é, normalmente, compatível com uma situação habitual, assim como o presente e o imperfeito do indicativo.
Já o iterativo descreve uma situação «que se obtém quando uma situação é repetida numa porção espácio-temporal delimitada, mas sendo o conjunto dessas repetições perspetivado como um evento único»2. Esta é uma situação descrita como tendo uma repetição apresentada como limitada. Por esta razão, o pretérito perfeito do indicativo é compatível com este aspeto, uma vez que pode marcar o limite final da iteração.
No caso dos versos em análise, o aspeto dominante será, a meu ver, tendencialmente o habitual, uma vez que o poeta descreve um comportamento como sendo uma repetição que é característica da entidade referida, com o comprova a possibilidade de introdução do advérbio habitualmente:
(1) «[…] agora/ estão [habitualmente] ariscas, escapam-se [habitualmente] por entre/ as mãos
1. Maria Henriqueta Costa Campos, “Para uma reinterpretação de alguns fenómenos aspectuais“, Actas do Congresso Internacional sobre o Português, vol. II., Lisboa, 1994..
2. Cunha in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 586.