A análise de um verbo na frase envolve diferentes planos que interagem entre si.
Assim, se nos situarmos na perspetiva dos valores temporais, sabemos que um verbo flexionado no pretérito imperfeito localiza, por defeito, a situação que descreve num intervalo de tempo anterior ao momento da enunciação.
Quando convocamos a análise aspetual, o objetivo é compreender como é apresentada a estrutura temporal interna da situação que o verbo descreve. É esta perspetiva que nos permite, por exemplo, afirmar que os verbos das frases (1) e (2) têm uma estrutura temporal distinta:
(1) «O João espirrou.»
(2) «O João lê um livro.»
Com efeito, em (1), descreve-se uma situação pontual, que não tem duração interna, enquanto em (2) se descreve uma situação durativa, que tem duração interna. Repare-se que, nesta ótica, não nos estamos a interessar pelo valor temporal, porque não estamos a localizar a situação num dado intervalo de tempo.
Quando convocamos uma análise do aspeto gramatical, estamos a combinar a análise do aspeto lexical com outros elementos da frase, como os tempos verbais, os advérbios, entre outros. Esta perspetiva permite, por exemplo, determinar se uma situação é apresentada como culminada ou não culminada. Este último aspeto é pertinente para a distinção entre o valor imperfetivo e o valor perfetivo. Assim, o valor imperfetivo corresponde àquele em que uma situação é apresentada como não culminada, ou seja, os seus limites temporais não são apresentados. Veja-se a frase (3)
(3) «Os homens pré-históricos deslocavam-se frequentemente.»
A situação descrita na frase (3) é apresentada como não delimitada temporalmente, sendo perspetivada do seu interior. É evidente que um dia a deslocação aí descrita deixou de ter lugar, mas o locutor não coloca a tónica neste aspeto. É por esta razão que o valor imperfetivo se descreve como aquele que é apresentado como inacabado. O que se pretende afirmar não é que a situação ainda está a decorrer, mas que o enfoque da descrição da situação é colocado no seu desenvolvimento sem atender aos seus limites temporais. Por outro lado, a análise do valor temporal da frase (3) permite localizar a situação descrita num momento anterior ao momento da enunciação. Neste caso, esta informação interage com o adjetivo pré-históricos, o que contribui para a localização da situação num intervalo temporal muito distante no passado.
No que respeita aos valores habitual e iterativo, recorde-se o seguinte:
– O valor habitual «representa um padrão de repetição da situação suficientemente relevante a ponto de poder ser considerado como uma propriedade característica da entidade representada pelo sujeito gramatical»1;
– O valor iterativo obtém-se «quando uma situação é repetida numa porção espácio-temporal delimitada, mas sendo o conjunto dessas repetições perspetivado como um evento único»2.
Como se percebe pela definição apresentada, o valor habitual é compatível com a imperfetividade, porque descreve um padrão de repetição, como acontece em (4)
(4) «Habitualmente, o João escrevia crónicas para o jornal.»
Já o valor iterativo tem afinidades com a perfetividade porque é visto como uma situação apresentada como limitada, ou seja, cujo limite temporal se perspetiva:
(5) «Enquanto esteve neste clube, o João treinou todos os dias.»
Por fim, sem outro contexto, na frase apresentada em (6) estão presentes os valores aspetuais imperfetivo e habitual:
(6) «Tenho encontrado gente admirável por todo o lado.»
Disponha sempre!
1. Cunha in Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 586.
2. Id., Ibidem.