A frase apresenta um valor aspetual gramatical imperfetivo.
Uma frase veicula normalmente um valor aspetual lexical e um valor aspetual gramatical (que pode inclusive alterar o primeiro). Este último aspeto é construído por vários elementos como os tempos verbais, os verbos auxiliares ou a interação entre o advérbio e o núcleo verbal, entre outras possibilidades.
A título de exemplo, o verbo pintar traduz o aspeto lexical de um evento, que pode ser perspetivado de diferentes formas por ação do aspeto gramatical:
(i) na sua fase inicial: «Ele começou a pintar um quadro.»
(ii) na sua fase terminativa: «Ele acabou de pintar um quadro.»
(iii) como uma repetição habitual: «Ele pinta quadros.»
(iv) como uma iteração: «Durante um ano, pintou quadros.»
Na frase em apreço, o aspeto lexical do verbo viver é o de um estado, pois descreve uma situação durativa (que tem duração interna, prolongando-se durante um dado intervalo de tempo) e homogénea (que se verifica sempre em todos os intervalos de tempo em que ocorre, mantendo as mesmas características)1. Este estado é perspetivado de forma particular ao ser associado ao pretérito perfeito composto do indicativo. Com efeito, este tempo verbal em particular configura uma situação que teve início no passado, que decorre no presente de enunciação e que poderá manter-se no futuro2. Por essa razão, estamos perante uma situação com um aspeto gramatical imperfetivo, visto que a situação é perspetivada no seu decurso, sem que se delimitem o seu início ou o seu fim.
O pretérito perfeito composto é um tempo que se associa tipicamente à expressão do valor aspetual gramatical de iteração, como acontece em:
(1) «Ele tem escrito artigos no jornal.»
Sendo a iteração concebida como «uma situação repetida numa porção espácio-temporal delimitada, mas sendo o conjunto dessas repetições perspetivado como um evento único»3. Ora, no caso em apreço não podemos considerar que estejamos perante um conjunto de situações repetidas, pois a situação descrita pelo verbo viver é, como já se disse, homogénea. Assim sendo, a frase exprime apenas um valor imperfetivo.
Pelo que ficou exposto, fica também claro que os tempos compostos podem associar-se à expressão de diferentes valores aspetuais, pois estes valores não dependem apenas do tempo verbal em si, mas da interação que este mantém com o verbo e, eventualmente, com outros elementos da frase.
Disponha sempre!
1. Para um maior aprofundamento dos traços distintivos associados ao aspeto lexical, cf. Fátima Oliveira e Amália Mendes in Raposo (coord.) Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp.587-598.
2. Para mais informações sobre os valores aspetuais associados ao pretérito perfeito composto, leia-se, por exemplo, Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, pp. 142-144.
3. Idem, ibid., p. 586.