As questões colocadas pelo consulente constituem um tópico do tratamento das orações copulativas que assume grande complexidade, pelo que será necessário mobilizar alguns elementos de análise que vão além dos conteúdos tratados em contextos não universitários.
As frases apresentadas constituem um caso de orações copulativas identificadoras, que se caracterizam por «identificar um indivíduo como portador de uma propriedade individual» (cf. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 703 e ss.).
Este tipo de frase inclui dois sintagmas nominais (SN) no seu interior:
(i) um SN com função de sujeito, que representa uma dada entidade;
(ii) um SN com função de predicativo do sujeito, que atribui uma propriedade a essa identidade.
Estas frases podem surgir na ordem canónica (SUJEITO + VERBO + PREDICATIVO DO SUJEITO) ou na ordem inversa (PREDICATIVO DO SUJEITO + VERBO + SUJEITO).
Para identificarmos as funções desempenhadas pelos constituintes da frase, poderemos usar o teste da clivagem que permite identificar a frase que se encontra na ordem canónica:
(i) teste da clivagem: este teste usa a construção SER…QUE para colocar o foco num elemento da frase; nas frases na ordem inversa não é possível colocar o foco no constituinte à esquerda do verbo:
(1) «É Brasília que é a capital?»
(1a) «*É a capital que é Brasília?»
(2) «É o padrinho que é (o)1 meu amigo?»
(2a) «É o meu amigo que é o padrinho?»
Como se pode observar a frase (1a) não admite clivagem, o que indica que a frase «Brasília é a capital» corresponde à ordem canónica. Assim, o constituinte «a capital» tem a função de predicativo do sujeito.
Já as frases (2) e (2a) permanecem ambíguas quanto à identificação da ordem canónica, pelo que se propõe o recurso ao teste do foco2:
(ii) teste do foco: quando uma construção está na ordem canónica, o foco prosódico pode incidir no constituinte que se encontra à esquerda ou à direita do verbo na frase de base; se a frase se encontra na ordem inversa, o foco prosódico focaliza sempre o elemento à direita do verbo, ou seja, o sujeito. Consideremos as frases (3) e (4) e façamos os testes para verificar onde incide o foco prosódico
(3) «O meu amigo é o padrinho.»
(3a) «O meu amigo é o padrinho ou o padre?» - O meu amigo é o padrinho3.
(3b) «O padrinho é o meu amigo ou é o teu amigo?» - «O padrinho é o meu amigo.»
(4) «O padrinho é o meu amigo.»
(4a) «O padrinho é o meu amigo ou o teu amigo?» - «O padrinho é o meu amigo.»
(4b) «O meu amigo é o padrinho ou o padre?» - «*O meu amigo é o padrinho»
A frase (3) permite que o foco incida tanto no elemento à esquerda como no elemento à direita do verbo da frase original, ao passo que a frase (4) só permite que se coloque o foco prosódico no elemento à direita do verbo na frase original («O meu amigo»), ou seja, o sujeito. O resultado deste teste significa que a frase (3) se encontra na construção canónica, logo o constituinte «o padrinho» desempenha a função sintática de predicativo do sujeito.
Note-se, todavia, que um contexto de pergunta resposta pode levar a que a frase que agora consideramos possa ter interpretações distintas, como se observa nos pares seguintes:
(5) «Quem é o teu amigo?» - «O meu amigo é o padrinho.»
(6) «Quem é o padrinho?» - «O padrinho é o meu amigo.»
Isto acontece porque «as orações copulativas identificadoras são muito usadas quando um dos participantes no discurso desconhece a pessoa presente na situação de enunciação, ou que é introduzida no universo do discurso no decorrer da conversação, e pede ao seu interlocutor que lhe dê informações sobre ela» (Raposo et al., ibid., pp. 1319-1320). Estas situações poderiam levar-nos a considerar que a frase poderá ser dúbia. Não obstante, veja-se que a questão coloca sempre o foco no sujeito (cuja identidade se pretende identificar), que será «o teu amigo» na frase (5) e «o padrinho» na frase (6). Assim, se considerássemos a frase apresentada pelo consulente a resposta a uma questão, voltaríamos a concluir que o constituinte «o padrinho» tem a função de predicativo do sujeito.
Em resposta aos pontos 2) e 3) da questão colocada, diremos que o pronome o poderá ser usado como um pronome demonstrativo invariável, equivalente a isso, que tem como referência a parte predicativa da frase copulativa, em situações como as seguintes:
(3) «Brasília é a capital. É-o [= É a capital] desde 1960.»
(4) «O padrinho é o meu amigo. É-o [= É o meu padrinho]por merecimento.»
Disponha sempre!
1. Nas variantes de português do Brasil, o possessivo pode aparecer sem artigo definido. Não obstante, doravante, introduzimos o artigo na frase, de forma a que a frase corresponda à construção usada na variante de português europeu para exprimir a copulativa identificadora (na variante de português europeu, distingue-se entre «O padrinho é meu primo» (copulativa predicativa) e «O padrinho é o meu primo (copulativa identificadora)).
2. Teste proposto por Oliveira (2001) em Frases copulativas com ser – Natureza e estrutura, já apresentado aqui.
3. O negrito marca o foco prosódico.