Aconselha-se o uso de desvalorizar-se como verbo pronominal, quando significa «perder valor» (cf. Dicionário de Usos do Português do Brasil, de Francisco S. Borba). No entanto, assinale-se que este verbo faz parte de uma subclasse, que encontra tratamento mais desenvolvido, não na gramática tradicional, mas em estudos de linguística. Refiro-me aos «verbos de alternância causativa» (cf. Maria Helena Mira Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa, Lisboa, Editorial Caminho, 2003, pág. 305-306, 518), empregados de duas maneiras:1
a) como transitivos directos, são verbos causativos, porque têm por sujeito um causador: «o governo desvaloriza o real»; «a chuva encheu e rompeu a represa»; «o padre casou o João e a Antónia»; «o João terminou a prova»;
b) como verbos intransitivos, têm por sujeito uma entidade (tema) afectada por uma mudança de estado, podendo uns ocorrer obrigatória ou opcionalmente com o pronome se (pronome clítico) e outros sempre sem ele: «o real desvaloriza-se» (obrigatório); «a represa encheu(-se) e rompeu-se» (opcional no primeiro caso, obrigatório no segundo); «o João e a Antónia casaram-se» = «O João e a Antónia casaram» (opcional; sobre casar, ver Maria Helena de Moura Neves, Guia de Uso do Português, São Paulo, Editora UNESP, 2003); «a prova terminou».
Diga-se que o uso evidencia uma tendência para a perda do pronome se em muitos casos obrigatórios no contexto da norma. É o que acontece frequentemente com o emprego de reunir como verbo intransitivo sem pronome («o coordenador reuniu o departamento» vs. «o departamento reuniu»), sempre corrigido como pronominal («o departamento reuniu-se»). Há, contudo, situações em que se impôs uma especialização de usos, como se verifica com abrir:
1 – «Um grupo de empresários abre um novo banco» (é verbo causativo).
2 – «Este banco abre-se à tecnologia» (no sentido de «estar disponível, receptivo»).
3 – «Este banco abre às 9h00 (no sentido de «começar a estar activo»; não é possível: «este banco abre-se às 9h00»).
1 João Andrade Peres e Telmo Móia, em Áreas Críticas da Língua Portuguesa (Lisboa, Editorial Caminho, 1995, pág. 420), classificam a forma se como pronome clítico anticausativo e definem estes verbos como «[...] predicados que identificam processos, que não possuem um argumento com a função semântica de causador, e que se relacionam com formas verbais homónimas sem clítico, as quais geralmente identificam acções e têm um primeiro argumento com a função de causador.»