1. O verbo da frase apresentada é inspirar-se. Trata-se de um verbo transitivo direto e indireto pronominal¹. Os verbos pronominais podem exibir um pronome reflexo ou recíproco.
O pronome reflexo (ou recíproco) pode desempenhar a função sintática do argumento interno exigida pelos verbos transitivos diretos (complemento direto) ou pelos verbos transitivos indiretos (complemento indireto):
(i) «O João culpa-seCD pelo acidente.»
(ii) «O João perguntou-teCI se viste o acidente.»
Na frase «Eu inspiro-me em Camões», o pronome reflexo -me desempenha a função sintática de complemento direto, sendo o constituinte em Camões complemento oblíquo. Tal como acontece na frase em análise, cuja estrutura profunda é: «O pintor inspirou-seCD (a si próprio) em alguém.»
2. Na frase em causa, o -se não poderá ser inerente, dado que como vemos está em posição argumental e tem função sintática atribuída.
Vejamos dois exemplos em que o -se é inerente, ou seja, em que a forma do pronome não está associada a qualquer posição argumental (complemento) ou adjunta (modificador): não sendo, portanto, possível atribuir-lhe uma função sintática.
(iii) «A Ana apaixonou-se pelo colega de carteira.»
(iv) «O João riu-se bastante da tua piada.»
Vejamos que não é possível explicitar o causador que desencadeia a situação expressa pelos verbos de cada uma das frases:
(iii') «* O colega de carteira apaixonou a Ana.»
(iv') «* A tua piada riu-o bastante.»
1 O verbo inspirar é transitivo direto (X inspira Y): «O João inspirou a mãe/ O João inspirou-aCD..»
O verbo inspirar-se em é transitivo direto e indireto ( X inspira-se em Y): «Eu inspiro-meCD em Camões CObl.»
Fontes:
Gramática do português, Cap. 41.3.4.3 - funções sintáticas dos pronomes reflexos e recíprocos, vol.II, Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2217-2218.