SITUAÇÃO ACTUAL DO ACORDO DE 1990
O Acordo Ortográfico de 1990 foi inicialmente ratificado pelos Parlamentos de Portugal, do Brasil e de Cabo Verde. O texto do acordo exigia a ratificação de todos os signatários (sete) para entrar em vigor, mas numa das últimas reuniões da CPLP foi decidido que bastaria a assinatura de só três membros. Ora, segundo o que me foi afirmado, com a entrada de São Tomé e Príncipe no grupo dos que ratificaram, então o Brasil, Cabo Verde e São Tomé consideraram já oficialmente que o novo acordo entrou em vigor nos seus países, mesmo sem a inclusão de Portugal. Por uma questão de solidariedade, e atendendo a que o acordo foi assinado no nosso país, o Brasil vai aguardar ainda algum tempo antes de avançar em força. Os optimistas pensam que Portugal também aprovará a entrada em vigor do acordo de 1990 antes do fim do ano.
DIFERENÇAS DE POLÍTICAS NA LÍNGUA
Quem como eu teve a dita de poder viajar duma ponta à outra do Brasil e de avaliar as suas imensas riquezas pode concluir que este país certamente, e com justiça, virá a ter uma palavra a dizer nos destinos da humanidade. Ora, os brasileiros ter-se-ão dado conta de que, somando os seus cerca de 180 milhões de falantes aos de todos os dos países que têm a sua língua como oficial (além de esta estar espalhada por todo o planeta), a uniformização ortográfica do acordo de 1990 traria maior facilidade de a impor internacionalmente como uma das mais importantes línguas do mundo.
Aliás, não se têm poupado a esforços para defender a sua língua. Muitas das obras idóneas que uso são brasileiras; o melhor dicionário em português europeu de que dispomos (o Houaiss) tem proveniência brasileira; publicaram em 1998 um vocabulário com 350 000 entradas, que deixa à distância, neste , aspecto o dicionário da nossa Academia das Ciências de Lisboa, 2001 (só 70 000 entradas...). São cuidadosos com os novos termos (ex.: estresse, esnobe, etc.), mas não hesitam em aceitar a evolução, como em hifens, etc).
Professores brasileiros estão a ser preferidos em universidades estrangeiras. É frequente já muitos estrangeiros falarem a nossa língua com prosódia brasileira.
Como consultor de Ciberdúvidas, penso que não me é próprio criticar excessivamente neste fórum as instituições portuguesas por este estado de coisas. O texto integral com essas críticas poderá ser lido
oportunamente na minha página pessoal.
Não creio que aconteça o que vou indicar, porque confio ainda no bom senso dos nossos responsáveis e que seguirão muito rapidamente o exemplo dos outros três países; mas não resisto a considerar a hipótese seguinte:
Dadas as vantagens do novo acordo, com o Brasil em força corremos o risco de Portugal ficar abandonado no seu orgulho balofo e na sua confrangedora inércia.
Repare-se na diferença no apreço com a língua que têm os espanhóis, pois conseguiram já a uniformização até na gramática em toda a hispanofonia (recente acordo de Cartagena).
AS DIFICULDADES PORTUGUESAS
No meu artigo de Abril de 1998 sobre o novo acordo, mencionava alguns motivos por que o novo acordo não estava ainda em vigor, passados nessa altura oito anos da sua assinatura (estava previsto na assinatura do acordo entrar em vigor em 1994). Decorridos mais todos estes nove anos, os motivos continuam a ser na prática os mesmos: o que tem havido no nosso país é pouca vontade política dos nossos governantes. A desculpa inicial era de que não se tinham as ratificações de todos os signatários; mas, a partir do de que facto ficaram a ser necessárias só as três ratificações que já havia quase desde o início, a desculpa tinha deixado de ser válida. Com a entrada de São Tomé, o Brasil naturalmente rodeou a resistência portuguesa.
A outra dificuldade é a resistência à mudança. As pessoas conservadoras oferecem sempre as maiores dificuldades às mudanças na língua, com o receio de não saberem escrever depois. Além disso, aparece sempre quem se considere dono da língua (um património comum, que não é particularmente de ninguém): pessoas que entendem que têm o direito de não permitir que a alterem. O que se passou presentemente com a Nova Terminologia é sintomático: houve quem a recusasse na totalidade, liminarmente, sem ver o seu lado positivo (pessoalmente, aconselhei aperfeiçoamentos). Se se tivesse obedecido aos críticos da Reforma de 1911, ainda agora estaríamos a escrever com y, com ph, com dois ll, etc.
Porque mesmo essas pessoas me merecem o maior respeito, dado que a sua preocupação, por outro lado, protege a língua de desvarios, indico a seguir, para as tranquilizar, as alterações previstas no novo acordo:
As consoantes que não são articuladas nem em Portugal nem no Brasil desaparecem, caso do c em acção e do p em óptimo, por exemplo [mas autorizam-se quando são articuladas num dos países como, por exemplo, em convicto (nos dois países), em facto (em Portugal), em concepção (no Brasil)]. Será fácil a escolha: basta analisar se a consoante é muda ou não: se o for, pode desaparecer, embora continue a ser legítima na comunidade
linguística que a pronuncie. Quem defende a necessidade da consoante para abrir a vogal anterior esquece casos como didactismo ou didáctica, em que essa defesa não é possível...
Os acentos gráficos praticamente não mudam, contrariamente ao que pensam muitas pessoas, mesmo com formação linguística. Para Portugal, unicamente deixa de haver obrigatoriedade de acentos em termos como: pára (forma verbal), péla/o/s, pólo/s, pêro/a, dêmos, amámos, terminações verbais -êem, ditongo ói em paroxítonas.
As duplas grafias nas proparoxítonas como António e Antônio não irão incomodar ninguém, pois será legítima qualquer das duas formas, e cada um pode escolher. Quem se escandaliza com a proliferação que haverá de duplas grafias num vocabulário comum para toda a lusofonia pode entreter-se a contar as duplas grafias que já existem nos dicionários. Verá que são muitas...
No hífen e nas maiúsculas há também algumas simplificações, fáceis de fixar.
Especificamente para o Brasil, além de tudo o que está acima indicado, cai mais o trema em todas as palavras originariamente portuguesas, o acento nos grupos oo, como em voo, e no som aberto dos grupos eico e eia (não me venham dizer que as alterações são só uma cedência ao Brasil).
Para mim, no entanto, o maior problema português tem sido a sua incapacidade técnica. No acordo estava previsto que haveria um vocabulário comum pronto antes de o novo acordo entrar em vigor (1994, como se disse acima). Este vocabulário é indispensável para orientação dos lexicógrafos, dos autores de manuais escolares, prontuários, correctores de textos informáticos, etc. Ora, o Brasil já fez a sua parte do acordo, com o acima citado vocabulário de 1998, assinalando mesmo muitas variantes que a sua comunidade linguística não utiliza.
A nossa Academia das Ciências de Lisboa é que nesta data, que eu saiba, ainda não fez a sua parte [agradeço informação actualizada de quem estiver mais bem informado...].
Agora consta que, quando da entrada em vigor, o novo acordo terá em Portugal uma tolerância de 10 anos para pleno funcionamento. Não pensam os governantes que, após 17 anos, outros 10 serão mesmo de mais? Estarão a imaginar singelamente que o Brasil vai fazer o mesmo, quando o mais certo é que a sua literatura actualizada invadirá, antes da nossa, toda a lusofonia?...
Quanto aos editores portugueses de vistas curtas, que estão a recear o novo acordo, estes já pensaram no negócio que estão a perder em novas edições e no que poderão perder se o Brasil se antecipar?
AS VANTAGENS DO NOVO ACORDO
Independentemente do interesse em que a língua portuguesa se imponha como um idioma uniformizado planetário, quem se dirige a falantes de língua oficial portuguesa nesta Aldeia Global da Comunicação, como acontece em Ciberdúvidas, sente bem o problema da falta de uniformização. Para não induzir em erro os nossos leitores do Brasil, usamos uma dupla grafia nas nossas respostas, o que complica a execução e dificulta a leitura (casos de letras entre parênteses neste texto). Ora, pode-se avaliar aqui a economia de processos que haveria se já estivesse em vigor o novo acordo. Foram presentemente necessárias 16 alterações gráficas. Se o novo acordo já estivesse em vigor, nem uma seria necessária, pois inclusivamente seriam legítimos no Brasil os casos de grafia no português europeu em que se aceitarão duplas grafias.
NOTA FINAL: Termos do novo acordo ortográfico segundo o Prontuário da Texto, 4.ª versão, recente: atual, idóneas/idôneas, aspeto, frequente, facto/fato, património/patrimônio, ação, ótimo, didático, linguista, corretor, atualizar.
Ao seu dispor,