No enredo do Acordo Ortográfico todos estão a desempenhar um mau papel.
O texto do Acordo em si tem contradições, omissões e instabilidade de critérios, já notadas logo desde 1986. Para além disso, permite manter muitas divergências ortográficas entre os países lusófonos.
No que toca às editoras portuguesas, estas querem manter mercado em África sem investir em reedições que actualizem a forma gráfica de 1,6 % das palavras. Sugeriram boicote ao Acordo caso este venha a ser ratificado por Portugal. Ignoram, incompreensivelmente, que a Angola e a Moçambique, com milhões de pessoas para alfabetizar, não custa nada ratificar o Acordo, logo que o Brasil, que o vai aplicar este ano, lhes propuser livros escolares e dicionários mais baratos, com um bom abastecimento e distribuição — e, ainda por cima, com uma ortografia mais facilitadora da aprendizagem: livre do trema, das consoantes mudas, da esmagadora maioria das intricadas regras do hífen, de alguns usos do acento agudo e circunflexo, etc.
Mas a pior actuação ainda consegue ser a do Governo português. A 2 de Novembro de 2007, o ministro dos Negócios Estrangeiros afirmava que a ratificação teria lugar antes do final do ano e, dias depois, a ex-ministra da Cultura anunciava que Portugal ia pedir uma moratória de 10 anos para a entrada em vigor do Acordo. Terminou 2007 sem que o último Conselho de Ministros tratasse da questão. Já este ano, a 7 de Fevereiro, o mesmo ministro declarou à Antena 1 que afinal a controvérsia atingiu o próprio seio do Governo. Entretanto, o parlamento decidiu que seria bom assistir, nesta Primavera, a algumas sessões de esclarecimento por especialistas na matéria.
Continuamos na plateia à espera do acto soberano do Governo — dizer sim ou dizer não —, mas o pano nunca mais abre…
Artigo publicado no semanário Sol de 23 de Fevereiro de 2008, na coluna Ver como Se Diz