DÚVIDAS

Novo acordo (de 1990), resistências

Porque sou contra a revisão do acordo ortográfico

Gostaria que este texto fosse publicado e respondido no Ciberdúvidas, uma vez que só têm apresentado os argumentos a favor, apresentado a questão de uma forma incompleta.

1. Porque a língua escrita não tem de ser um espelho da expressão oral
Muitos portugueses dominam o inglês e o francês e sabem que nestas línguas chega a haver duas consoantes seguidas mudas. E contudo não consta que os países francófonos e anglófonos façam revisões ortográficas. Porque não actualizam os franceses «disent» para «disã», ou «business» em inglês por «biznes»?

2. Porque não aproxima os países lusófonos
O afastamento entre o Brasil e Portugal é cultural. Infelizmente não é pela omissão de letras que se omitem as causas dessa distância cultural. Para mais, o uso das palavras é por vezes inteiramente diverso nos dois países. O que quero dizer é que o que pode tornar um texto de um país difícil de compreensão noutro não é a falta de uma letra, mas o uso de palavras inexistentes num país ou usadas num contexto cultural diferente.

3. Porque não é universal
Continuam a manter-se as diferenças nas acentuações esdrúxulas do Brasil e as tónicas agudas dos restantes países, como em «económico»/«econômico». Mantêm-se as diferenças tipográficas, como a capitalização dos meses, estações e dias de semanas em Portugal, e a mesma grafia em minúscula no Brasil. Por esse motivo, além das diferenças culturais, continuarão a distinguir-se as edições brasileiras das portuguesas e a sentir-se a necessidade dessas diferentes versões.

4. Porque afasta países lusófonos
Ao alterar a ortografia em Portugal, afastamo-nos da ortografia dos países africanos de expressão portuguesa se estes não o ratificarem, assim como da língua portuguesa da Galiza que não o fará.

5. Porque não é útil
Esta revisão não causa uma relação uniforme entre a pronúncia das palavras e a sua ortografia. Pelo contrário, mas a título de exemplo, existe uma sugestão bastante curiosa, por António Manuel Dias.

6. Porque altera a pronúncia
Se a revisão serve para ajustar a ortografia à pronúncia, esta tem um efeito no sentido contrário quando retira as palavras compostas por justaposição hifenizadas. «Bem-aventurança» passaria a dividir-se silabicamente por «be.ma.ven.tu.ran.ça». «Pára-quedas», por exemplo, escrever-se-ia «paraquedas» e ler-se-ia de forma diferente.

7. Porque sai caro
As revisões ortográficas obrigam os portugueses a comprar novos dicionários e prontuários. Os livros estarão todos automaticamente desactualizados, tal como manuais de escola, encliclopédias em papel e suporte digital, processadores de texto, programas de correcção ortográfica, sinalética pública e todo e qualquer suporte de escrita.

8. Porque as pessoas resistem-no
Se a língua é, como dizem, do povo, deve-se prestar atenção às reacções emocionais dos cidadãos e cidadãs sobre esta matéria.

Resposta

Começo por fazer algumas precisões antes de responder directamente à sua mensagem.
Primeiro, não é verdade que Ciberdúvidas, como instituição, defenda o novo acordo. Os meus textos são meramente opiniões pessoais, que não comprometem Ciberdúvidas, nem nenhum dos outros consultores de Ciberdúvidas, nem mesmo a Sociedade da Língua Portuguesa.
Segundo, a defesa que faço do acordo de 1990 não assenta sobre a sua perfeição técnica, mas sobretudo na vantagem que nele sinto sobre a unificação da comum língua das oito pátrias.
Finalmente, penso que não se justificam ainda os grandes debates neste assunto, pois não é provável o `novo...´ acordo (de `1990...´) entrar em vigor em Portugal nos tempos mais próximos.
Posto isto, vamos a cada um dos itens da sua mensagem:
1. – O acordo de 1990 não defende o critério fonético que condena. Repare que continua a vigorar pega ¦ê¦ (ave) e pega ¦é¦ (verbo). Aliás, já foi criticada a excessiva supressão dos acentos gráficos na norma actual. A sua recusa por este motivo não tem razão de ser. Os acentos praticamente não mudam no acordo de 1990, e a supressão das consoantes mudas é unicamente uma simplificação, como já foram muitas outras no passado, sem que a língua deixasse de continuar a ser predominantemente etimológica, e, assim, mais facilmente universal. Esta necessidade não tem sido nunca ignorada pelos cientistas dos acordos [que justamente evitam os acentos gráficos com este objectivo].
2. – Contrariamente ao que diz, Portugal e Brasil entendem-se quase perfeitamente na escrita, pois as diferenças semânticas num texto de nível não são significativas (as variantes resolvem muitas diferenças) e as gramaticais são irrelevantes (até temos uma obra de gramática comum). O novo acordo traria vantagens sobretudo na unificação dos dicionários e na legalidade dos termos. Não faz sentido que numa mesma língua se considerem erradas grafias diferentes, só porque pertencem a normas de países diferentes. E não temos nada com o que se passa na relação entre povos de países de língua inglesa, francesa ou espanhola; pois, na nossa mentalidade, quem tem língua oficial portuguesa pertence à família [no caso do Brasil, muitas vezes de facto, quando há antepassados comuns]. Admite-se, porventura, que estudantes da mesma língua no nosso país, por exemplo brasileiros, se sintam constrangidos na escrita da sua língua; e vice-versa?
3. – As diferenças de timbre que aponta não têm significado. No projecto de 1986 resolvia-se o assunto suprimindo o acento. No de 1990, aceita-se que se escreva com acento agudo ou circunflexo, à opção. Quanto aos dias da semana, nada muda. Nas estações e nos meses, fica igual nos dois países. Este ponto não justifica as suas objecções (que só surgem por não conhecer completamente o acordo de 1990).
4. – O meu receio é que seja Portugal a ficar afastado, se os PALOP adoptarem o novo acordo (dadas as suas diversas simplificações), seguindo o Brasil [que está pronto para o adoptar]. E tem a certeza de que a estimada Galiza não fará o mesmo?
5. – Não percebi este argumento. Parece estar em contradição com o ponto 1...
6. – Este seu outro argumento é mais uma prova de que não conhece o acordo de 1990 em toda a sua profundidade. Essa questão infeliz de supressão do hífen em bem-aventurança foi uma simplificação das regras do hífen (excessiva neste caso) do proje(c)to de 1986. No de 1990, em nenhum ponto se prevê a supressão do hífen nesta palavra; e, pelo contrário, está recomendado o termo bem-aventurado (Base XV). Quanto a pára e para, volto a lembrar as homógrafas heterofónicas possíveis em pega, ou a pronúncia de pegada ¦pè¦, mazinha ¦mà¦, somente ¦sò¦, etc...
7. – Este é o único ponto em que estou de acordo consigo. Há de facto sacrifícios a fazer para unificar a língua. Só que, na minha experiência, concluí que pouca coisa de novo se consegue sem algum sacrifício. Costuma também ser esse o preço da inovação; e, depois, só resta fazer uma escolha na relação entre o custo e o benefício.
8. – É claro: há utentes da língua que resistem às mudanças. Com toda a legitimidade. Sempre houve, sempre haverá. Como acontece consigo. Como certamente acontecerá com muitas outras pessoas; que merecem igualmente todo o meu respeito.

Agradece e continua ao seu dispor,

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