«O acordo mantém as diferenças, não vai unificar nada. Estão a substituir umas diferenças por outras», argumenta Inês Pedrosa, citando os casos em que permanece uma grafia diferente para a mesma palavra para ela ser o mais próxima possível da forma como é pronunciada (recepção no Brasil, onde se pronuncia o p, e receção em Portugal, onde não se pronuncia).
Enquanto escritora publicada no Brasil, mantendo a grafia portuguesa, Inês Pedrosa não vê qualquer vantagem. «Nunca nenhum dos meus leitores brasileiros me disse que tinha tido problemas com a grafia. Eu também prefiro ler o brasileiro na sua música original, que a grafia também exprime.» Os equívocos que possam surgir são semânticos — «e esses continuarão e até são criativos».
«Os redactores do acordo perceberam que o modo como a língua é falada e escrita é tão distante que não é possível encontrar uma solução gráfica para tudo», explica o linguista Ivo Castro. «Em vez de se dizer que a palavra se escreve em todo o lado da mesma forma, estabelece-se que em cada país escreve-se como aí é pronunciada. É a diferença entre ter duas pessoas a discutir uma com a outra ou as duas combinarem que estão em desacordo.»
Não nos vamos entender melhor
«A língua não é beneficiada nem prejudicada de forma significativa» com este acordo, considera Ivo Castro. Na verdade, este «pouco muda os nossos hábitos».
Há quem argumente que, se o que se pretende é um melhor entendimento, esse não vai ser possível, porque, se há equívocos entre portugueses e brasileiros, eles têm a ver com a riqueza da língua e não com a grafia. O brasileiro Ruy Castro, autor do livro Carnaval no Fogo, contou a propósito (na "Folha de São Paulo") um episódio exemplar. Um dia, em Portugal, teria dito a uma secretária: «Isabel, por favor,chame o bombeiro para consertar a descarga da privada.» Perante o espanto de Isabel, teve que ser ajudado por um amigo que fez a "tradução": «Isabel, por favor, chame o canalizador para reparar o autoclismo da retrete.»
Tem custos económicos
A revista brasileira "Isto É" perguntou a Mia Couto o que pensava do acordo ortográfico. Considerando que «não vai mudar a fundo as coisas», o escritor moçambicano criticou o facto de «as implicações que isso tem do ponto de vista económico [acabarem] sempre por sobrar para os países mais pobres». Para Mia Couto, «com esse dinheiro pode-se fazer coisas mais importantes, como, por exemplo, aumentar o conhecimento que temos uns dos outros». E lamentou: «Circulo por São Paulo e a maior parte daspessoas nem sabe o que é Moçambique.»
Vasco Teixeira, presidenteda Porto Editora, interroga-se, por seu lado, sobre o que vai o Governo fazer com as centenas de milhares ou milhões de livros que acabou de adquirir para o Plano Nacional de Leitura. Quando o acordo começar a ser aplicado nas escolas, argumenta Vasco Teixeira, os livros das bibliotecas terão também que ser substituídos, porque, «numa fase de sedimentação da aprendizagem, ter acesso a duas grafias confunde as crianças».
Apesar disso, o presidente da Porto Editora não vê grandes vantagens na moratória de dez anos. «Não são precisos dez anos para aplicar o acordo ao sistema educativo», diz. «Bastariam quatro ou cinco anos.»
in "Público", de 29 de Novembro