Máscara é uma palavra que entrou na ordem do dia. Devemos ou não usá-la por causa do covid-19? Em que situações? A partir do momento em que, em Portugal, a Direção-Geral de Saúde determinou que seria aconselhável a sua utilização em espaços fechados, assistimos ao aumento da procura e, consequentemente, da especulação, ao mesmo tempo que, um pouco por todo o lado, surgem conselhos sobre como manufaturar máscaras em casa.
As máscaras de hoje não são, todavia, um produto da pandemia que vivemos. A máscara, que etimologicamente terá vindo do italiano maschera, tem um lugar de destaque em diferentes civilizações, tendo desenvolvido a sua função num plano humano e cultural. Desde muito cedo, a máscara foi associada ao duplo ato de esconder e revelar. É um artefacto que permite ocultar a personalidade e assumir-se outro.
Era já este o conceito de máscara presente no teatro da Grécia Antiga (e, mais tarde, no romano). As máscaras eram um elemento cénico primordial que ampliava determinados traços da personalidade da personagem cénica, tanto na comédia como na tragédia.
O conceito de máscara como forma de assumir outras personalidades prolongou-se no imaginário humano, mantendo a sua importância ao longo dos tempos. Encontramo-lo, por exemplo, na Commedia Dell’Arte do século XVI (nas figuras de Colombina, Pierrô ou Arlequim) ou, mais recentemente, reinventado em super-heróis como Zorro, Batman, Homem-Aranha ou Mulher-Gato. Até os humanos, destituídos de quaisquer superpoderes, gostam de experimentar o poder da máscara, que, ao esconder a identidade, autoriza a trazer à tona personalidades mais obscuras ou desviantes. Veja-se a sua importância no Carnaval e nos bailes de máscaras ou recorde-se a ação homogeneizadora das máscaras venezianas que, ao tornar todos iguais, lhes confere a liberdade de serem diferentes atuando de forma incógnita.
A máscara, na travessia dos tempos, serviu de disfarce e fantasia e permitiu ao ser humano assumir-se outro, distinto do seu eu quotidiano. Talvez por essa razão, a própria palavra máscara tenha assumido sentidos metafóricos, que permitem extrair significações não literais de afirmações como «Em público, ele usa uma máscara que só tira em família.» Esta é uma máscara invisível que continua a apontar para a dicotomia ser-parecer e que se espraia noutras metáforas derivadas: «arrancar a máscara a alguém», com o sentido de denunciar, ou «deixar cair/tirar a máscara», para significar que a pessoa se mostrou como efetivamente é.
Do contexto mais lúdico ou de corte psicológico, a máscara especializou-se ainda na referência à sua associação a atividades específicas ou a profissões, o que fica claro em expressões como «máscara de esgrima», «máscara de apicultor», «máscara de soldador» ou «máscara de mergulho». Até na cosmética, a máscara encontrou o seu lugar, designando uma boa camada de creme aplicada no rosto de forma uniforme com o intuito de produzir efeitos estéticos desejáveis.
Não é, todavia, nenhuma das anteriores a máscara que ocupa os nossos dias presentes. Convivemos, atualmente, com «máscaras cirúrgicas», «máscaras bico de pato (FP)» ou «máscaras FP3». São máscaras sem qualquer fim lúdico ou mágico, que nos arrastam para a consciência do perigo iminente e para o medo da doença, do sofrimento ou mesmo da morte. São máscaras que não trazem fantasia ou jovialidade, que não escondem, antes mostram. Mostram a nossa fragilidade humana e o desespero de querer escapar a um inimigo invisível, mas presente e poderoso. São máscaras que já não libertam, antes prendem. Já não somos livres de sair à rua como bem entendemos, de usar o que mais nos apraz. Estar em público agora exige que se use uma máscara, já não metafórica, mas literal. Uma máscara que esconde os sentimentos, que lembra a anulação dos afetos, o ser antissocial em que temos de nos transformar, que só se tira não para mostrar a nossa essência, mas quando nos sentimos seguros e protegidos.
Estranhos tempos estes em que as máscaras passaram a significar tantas outras coisas. Que volte o Carnaval! E depressa!
Cf. A falta de cara