1. Regressa à atividade o consultório com novas dúvidas: a propósito das acusações de espionagem informática da Federação Russa nas eleições americanas de 8 de novembro de 2016, o que querem dizer os anglicismos phishing e spearphishing? E qual o significado do símbolo Btu, quando se fala de petróleo? Como grafar o nome de uma cidade brasileira: "Ipuiúna" ou "Ipuiuna"? E um morfema, o que é? Igualmente a rubrica O nosso idioma disponibiliza um novo texto, sobre os tão expressivos regionalismos da região portuguesa do Alentejo.
2. O falecimento do fundador do Partido Socialista português, o primeiro primeiro-ministro do atual regime constitucional de Portugal e seu presidente da República de 1986 a 1996, Mário Soares (1924-2017), em 7 de janeiro p. p., impõe assinalar aqui o modo como a sua personalidade e a sua intervenção política moldaram decisivamente o seu país no último meio século. Com a descolonização e a restauração da democracia em Portugal, também Soares não foi indiferente à necessidade de reequacionar o futuro do idioma e a sua unidade, como evidenciaram as suas muitas declarações sobre o tema, cuja memória se recupera agora, por exemplo, no serviço Rádio ONU (em português) ou no jornal são-tomense Téla Nón, que, de uma entrevista concedida em 2009, transcrevem a seguinte passagem: «[...] o presidente [José] Sarney deu um exemplo também extraordinário quando foi presidente porque ele tem um artigo da Constituição brasileira que diz "o idioma oficial falado no Brasil é a língua portuguesa". Portanto ele disse, um brasileiro, que é a língua portuguesa não a brasileira. Não há língua brasileira e a portuguesa. É a mesma como a língua que se fala em Portugal, como a língua que se fala em Angola, como a língua que se fala em Timor-Leste e como a língua que se fala em todas as ex-colónias de Portugal. Portanto, tivemos a grande vantagem de todas elas adotarem como língua oficial o português.» Recorde-se ainda que, com o embaixador brasileiro José Aparecido de Oliveira (1929-2007), o ex-líder português se distinguiu como um dos paladinos da constituição da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (ler notícia do Observatório da Língua Portuguesa).
3. No novo ano, continuam a ter projeção mediática os diversos vocábulos que marcam o momento político nacional e internacional. O neologismo pós-verdade, como eufemismo de mentira, já foi aqui comentado, mas, entretanto, avulta uma nova palavra, descrispação, que o presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, declarou preferir a geringonça como a palavra do ano de 2016 (ler aqui), motivando o jornalista João Miguel Tavares, em crónica publicada no Público (7/1/2017), a produzir o seguinte comentário: «É uma escolha surpreendente de Marcelo, desde logo porque a palavra não existe. Porto Editora, Houaiss, Aurélio, Academia – nenhum dicionário cá de casa a reconhece.» Nada mais errado, pois o critério de correção das palavras não depende do seu registo nos dicionários – uma vez que eles nem sempre conseguem prever e abranger os muitos derivados possíveis com certos prefixos e sufixos. É o caso de descrispação, vocábulo bem formado – derivado de crispação, por adjunção de des-, um dos mais produtivos prefixos da língua contemporânea. Sobre este tema, leia-se também, da linguista portuguesa Margarita Correia, o artigo "Os dicionários de língua".
4. No tocante à situação e às perspetivas da língua portuguesa em 2017, a atualidade pede alguma reflexão:
– Em Cabo Verde, no meio de aplausos e vozes críticas, o português passa a ter estatuto de segunda língua no ensino. Note-se que esta mudança formaliza uma situação linguística efetiva, em que os crioulos cabo-verdianos (em processo de estandardização) constituem a língua familiar e de todos os dias. Tal não significa, porém, que o português surja agora como língua estrangeira, porque por língua segunda se entende «língua não materna que por razões sociais ou políticas é utilizada pelo indivíduo em certas circunstâncias do seu quotidiano (por exemplo, em situação escolar)», como acontece com «as línguas europeias com estatuto de língua oficial em certos países africanos [que] devem considerar-se línguas segundas» (Dicionário de Termos Linguísticos volume II, Lisboa, Edições Cosmos, 1990). Observe-se, de resto, que o governo cabo-verdiano não manifestou nenhuma intenção de deixar de usar o português na administração ou nas suas relações externas.
– Da visita oficial do primeiro-ministro português António Costa à União Indiana entre 7 e 12 de janeiro, espera-se o reforço ou o incentivo de resultados no âmbito da promoção e recuperação do português naquele país, sobretudo, no estado de Goa, bem como em Damão e Diu, onde o idioma tem longa história. Sobre a Índia, consultar o seguintes artigos e perguntas: "Os gentílicos de Calecute e Nova Deli (Índia)", "Monção, monções", "Nos 200 anos do nascimento do orientalista português Cunha Rivara", "Bombaim ou Mumbai?", "Toponímia da Índia e norma portuguesa", "As formas Diu e Dio", "O caso de Goa", "Palavras com origem na língua concani", "A influência do português no Oriente".
– Nota final para os pareceres que a académica e coordenadora da nova edição do dicionário da Academia das Ciências de Lisboa (ACL), Ana Salgado, tem publicado recentemente no Pórtico da Língua, definindo os ajustamentos anunciados em 23/11/2016 pela própria ACL. São eles, a saber: Sobre ântero-, ínfero-, íntero, látero-, póstero-, súpero- (7/12/2016); Sobre o emprego do hífen (1) (13/12/2016); O prefixo re-; (19/12/2016) Sobre a acentuação gráfica (6/1/2017). No mesmo portal, leia-se ainda, da autoria de D'Silvas Filho, o artigo Imperfeições e dúvidas na b), do 1.º, da Base IV do AO90 (6/1/2017).