1. Os meios de comunicação de vários países deram relevo à escolha da palavra do ano pelo Oxford English Dictionary: a "feliz" contemplada é post-truth, termo usado adjetivalmente em expressões como post-truth politics [«política (de) pós-verdade»], ou post-truth era [«era (de) pós-verdade»]. Trata-se de um eufemismo – que tem um sinónimo, post-factual – para referir aquilo a que, de forma direta, se chama mentira1. Porém, contextualizando um pouco, convém observar que o vocábulo inglês marca uma tendência da atuação política contemporânea: a verdade aparece como um princípio ultrapassado pela História, à semelhança das situações identificadas por outros termos como pós-modernismo, pós-industrialização, ou pós-colonialismo; a finalidade é ir agora ao encontro da suposta "verdade" emocional de largos setores da população votante, exacerbando crenças infundamentadas, que a frieza dos factos não justifica. O anglicismo terá surgido no final do século passado, mas recentemente ganhou amplo uso no discurso mediático, a respeito do chamado Brexit no Reino Unido e da eleição de Donald Trump como presidente dos EUA. Em português, transpõe-se literalmente como pós-verdade (e post-factual como pós-factual), que pode ocorrer adjetivalmente2, seguindo os casos paralelos doutras línguas românicas, por exemplo: em espanhol, posverdad (cf. Fundación para el Español Urgente – Fundéu BBVA); em francês, post-vérité; em italiano, post-verità.
1 Na imagem, a frase latina «vincit omnia veritas», ou seja, «a verdade supera tudo».
2 Geralmente uma palavra derivada por prefixação é da mesma classe de palavras que a sua base; ou seja, se verdade é substantivo, então pós-verdade será também substantivo. Contudo, registam-se casos como o de antirrugas, em «creme antirrugas», empregado como adjetivo, apesar de a sua base de derivação corresponder ao substantivo ruga (cf. Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos, Inovação Lexical em Português, Lisboa, Edições Colibri, 2005, pág. 31). Mais consistente se revela pós-factual, porque é adjetivo derivado de outro adjetivo, factual, e corresponde a post-factual, sinónimo de post-truth, como se refere mais cima.
2. Sobre a Fundéu BBVA assinale-se uma novidade deste serviço: cada parecer publicado tem agora associada uma versão áudio (ouvir aqui). Infelizmente, nos recursos existentes para apoio do bom uso da língua portuguesa na comunicação social e no espaço público em geral – um projeto sempre adiado no Ciberdúvidas, dados os seus conhecidos constrangimentos financeiros –, não se dispõe de uma funcionalidade similar. E é revelador da real importância que em Portugal se confere ao idioma nacional que até uma iniciativa com o alcance do Prontuário Sonoro da RTP já nem conste na página oficial da televisão pública portuguesa (numa pesquisa Google, ainda se encontra aqui, mas sem qualquer atualização).
3. Na rubrica Controvérsias, ainda à volta da influência semântica do inglês error sobre o português erro, apresenta-se um texto de Adelino Campante sobre o contributo da língua especializada da Física e da Química para esta discussão.
4. Também na oralidade se devem ter em atenção o registo formal e a correção linguística. Um texto intitulado "Falar bem", de Felisbela Lopes, professora da Universidade do Minho, foca essa necessidade, elaborando um diagnóstico do que há por fazer nesse domínio em Portugal. Trata-se de um artigo publicado pelo Jornal de Notícias e agora também disponível na rubrica O nosso idioma.
5. A sintaxe é o grande tema das novas perguntas em linha no consultório: é correto omitir a preposição de numa frase «não me lembro de onde ele está»? Que função sintática tem «de casa» na frase «desapareceu de casa»? Porque se há de dizer que -o é um pronome pessoal, quando, afinal, pode referir coisas (por exemplo, «tenho carro mas emprestei-o »)?
6. Uma chamada de atenção para os programas produzidos pelo Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa: no Língua de Todos de sexta-feira, 18 de novembro (às 13h15*, na RDP África; com repetição no sábado, 19 de novembro, depois do noticiário das 9h00*), a professora Sandra Duarte Tavares fala sobre verbos abundantes e outras questões de língua. O Páginas de Português de domingo, 20 de novembro, na Antena 2 (às 12h30*, com repetição no sábado seguinte, às 15h30*) conversa com António Pedro Pita, diretor do Museu de Neorrealismo, em Vila Franca de Xira, a propósito da doação do espólio do escritor português nascido em Goa Orlando da Costa (1929-2006), autor de Podem Chamar-me Eurídice.
7. Um último apontamento: no contexto da greve da função pública em Portugal, convocada em 18/11/2016, torna-se a ouvir "precaridade" em vez da forma correta precariedade – sobretudo da boca de sindicalistas e políticos. Sobre esta palavra tão maltratada, leia-se "Precariedade, e não 'precaridade'", uma resposta da professora Maria Regina Rocha.
* Hora oficial de Portugal continental.