1. Se a China começou por ser o país mais afetado pela covid-19 *– e onde tudo começou –, na Europa, nos Estados Unidos ou noutras regiões do planeta, a pandemia também se expande inexoravelmente e, portanto, continua tema dominante da atualidade nacional e internacional. Na comunicação social, não deixam de se fazer notar anglicismos recorrentes, que se somam ao vocabulário mais ativo nas notícias e nas opiniões sobre a presente crise (aqui, aqui e aqui):
— Impeachment. O mesmo que impugnação. A palavra tem-se salientado a propósito da situação política no Brasil, onde o presidente Jair Bolsonaro enfrenta novo pedido de impugnação.
— Lay off. Ou seja, «dispensa temporária de pessoal», termo que figura entre as 30 medidas que o Governo português adotou para conter a pandemia.
— Spread. Termo da área da economia, que ainda não encontrou equivalente estável em português, ainda que diferença (de preços na compra e venda de ativos ou instrumentos financeiros) e margem (sobre taxa de juro) sejam palavras que o definam (cf. spread, no dicionário da Porto Editora, em linha na Infopédia). Seja como for, é o anglicismo que prevalece nas notícias sobre linhas de crédito para apoiar as empresas pelo impacto que estão a sofrer com a crise.
Entre os termos vernáculos, simples ou compostos, contam-se:
— "Covidário". Um doente com ou de covid-19 ou área hospitalar destinada a tais doentes**. Trata-se de um termo que, por enquanto, fará parte da gíria dos profissionais da saúde, atestando-se num título da edição de 24/03/2020 do jornal Público: "Não basta ter “covidários”. É preciso vacinar crianças e continuar a tratar os outros doentes".
— Cloroquina. Medicamento usado no tratamento e profilaxia da malária e que está a ser utilizado nalguns países em casos graves de coronavírus.
— Crime de desobediência. Crime praticado por aquele que desrespeita uma ordem ou um mandado comunicado ou mandado de uma autoridade ou funcionário com poderes para tal; na atual situação, o não cumprimento desta norma implica incorrer no crime de desobediência por violação de isolamento obrigatório que, segundo o Código Penal, consiste numa pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias.
— EPI. Sigla, também usada como acrónimo, de «equipamento de proteção individual» Esta expressão é recorrente nas avaliações desencontradas que o primeiro-ministro português e os hospitais fazem acerca dos meios existentes nos hospitais de Portugal para o combate à epidemia.
— Fase de mitigação. É quando as cadeias de transmissão do covid-19 já estão estabelecidas, e podem acontecer em ambientes abertos ou fechados. A fase de mitigação, nível vermelho de alerta e de resposta três (a mais elevada de uma escala de três), corresponde à presença de casos de infeção com vírus da covid-19 em território nacional. Divide-se aos subníveis de «cadeias de transmissão em ambientes fechados» e «cadeias de transmissão em ambientes abertos». O país passa então a ter uma epidemia ou pandemia ativa. Cf. Fase de mitigação
— Hospital de campanha. Estrutura de emergência que funciona como hospital provisório para dar resposta às necessidades dos doentes.
— Evacuar. Desocupar totalmente um edifício (em situação de emergência); é errado o uso aplicado a pessoas.
— Paciente zero. O caso inicial numa população com um surto epidemiológico, por poder indicar a fonte de uma nova doença, uma eventual propagação e o que detém o possível "segredo" da doença e como foi disseminada. O termo foi usado pela primeira vez aquando da disseminação do HIV nos EUA , e, agora em relação ao covid-19 (aqui e aqui, por exemplo).
— Ventilador. Aparelho que auxilia as trocas respiratórias no caso de perturbação da ventilação pulmonar.
— Viseira. Resguardo que protege o rosto ou a parte dos olhos.
— Zaragatoa. Vareta com algodão na extremidade (espécie de cotonete mais longo) usada para colheitas; na situação atual recolhem-se amostras do trato respiratório no nariz.
* Apesar de o termo cunhado pela Organização Mundial de Saúde para designar a doença ter a forma alfanumérica COVID-19, com maiúsculas, já em aberturas anteriores (ver também aqui) se assinalou que se usa covid-19, como nome comum do género feminino («a covid-19») escrito com letras minúsculas. Aliás, é esta a grafia que parece generalizar-se no uso, ainda que, referencialmente, ela se deva aplicar apenas à doença, e não ao vírus causador, o (novo) coronavírus, denominado SARS-CoV-2 pelo Comité Internacional de Taxonomia de Vírus. É de recordar que, relativamente à SIDA (síndrome de imunodeficiência adquirida), acrónimo que se converteu num nome comum («a sida»), também se distingue entre este termo, que denomina a doença, e o vírus causador, o HIV (ou transpondo para português, VIH, isto é, «virus de imunodeficiência humana»). Entretanto, para saber mais sobre o tema, merecem registo dois trabalhos do jornal Público, pela explicação da terminologia à volta deste e dos anteriores coronavírus: "O novo coronavírus: factos, respostas e previsões", de 10/03/2020; e "O novo coronavírus: factos, respostas e previsões II". Na imagem, mapa indicativo do alastramento da covid-19 do Coronavirus Resource Center da Universidade Johns Hopkins (consultado em 25/03/2020).** Definição corrigida em 24/04/2020.
2. No Consultório, as novas respostas abordam cinco tópicos: a locução «de acordo com»; a forma -no do pronome pessoal o; o esquema rimático de um poema com rima encadeada; o uso adjetival de xadrez; e a expressão «ainda bem».
3. Dois textos do mesmo autor, João Nogueira da Costa, em duas rubricas diferentes: em O nosso idioma, um pequeno elenco de palavras do dia a dia com origem em mitónimos, isto é, nomes mitológicos da Antiguidade greco-latina; em Lusofonias, o relato em tom de fantasia de uma visita a diferentes lugares de países de língua portuguesa e aos escritores que aí nasceram.
4. Voltando às medidas impostas em Portugal para combater a covid-19 e, em especial, à interrupção das aulas presenciais nas escolas (a partir de 16/03/2020), refira-se a preocupação com a avaliação e os exames finais do presente ano letivo. As avaliações do segundo período estão garantidas, segundo o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, enquanto alunos, professores e famílias se afadigam na realização de tarefas escolares pela alternativa do ensino a distância*. Resta saber até que ponto os níveis de literacia digital ou outra são satisfatórios para enfrentar estas condições, pois de acordo com dados divulgados pela Pordata, a propósito do Dia Nacional do Estudante, comemorado em Portugal em 24/03/2020, metade da população de Portugal, dos 25 aos 64 anos, não completou o ensino secundário.
** Sobre a locução adverbial a/à distância, que define o tipo de atividades realizadas em alternativa às aulas presenciais, ocorre esta expressão com duas variantes, com preposição a ou com a contração à. Existem bons argumentos para adotar uma ou outra, conforme se pode confirmar pelas seguintes respostas e artigos: "Ensino a distância", "'À distância' ou a 'distância?", "À distância, e não à pressa", "Três razões para ser 'à distância' ( enão 'a distância')", "Breve históira recente de 'a distância'".
5. Perante os desafios do confinamento, maior significado e relevo têm as notícias da multiplicação de recursos digitais para aquisição e desenvolvimento de competências em língua portuguesa: um exemplo vem do Brasil, onde a Universidade do Livro, pertencente à fundação Editora da Universidade Estadual Paulista (UNESP), oferece cursos em linha para domínio da língua culta; e, no quadrante do Português como Língua Estrangeira, tem destaque o guia de apoio em linha disponibilizado pelo Camões-Instituto da Cooperação e da Língua.
6. Uma sugestão de leitura para estes tempos de quarentena: Bode Inspiratório uma iniciativa que o semanário português Expresso leva a cabo como atividade de escrita colaborativa de um folhetim ao estilo de antigamente. Trata-se de uma história que tem a participação de vários autores, entre eles, o português Mário de Carvalho, que escreve o primeiro capítulo na edição de sábado, 28 de março p. f. O último capítulo, previsto para final de abril, fica a cargo de Luísa Costa Gomes.
7. Nos programas que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa são temas centrais:
– no Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 27 de março, pelas 13h20*, o depoimento de Margarita Correia, linguista, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), sobre a situação do português neste país, na sequência da sua recente deslocação à Guiné-Equatorial, integrada numa delegação da CPLP;
– no Página de Português, emitido pela Antena 2, no domingo, 29 de março, pelas 12h30*, entrevista-se João Paulo Proença, professor e coordenador do Projeto Read-on Portugal, iniciativa que visa apoiar e disseminar a paixão pela leitura nos jovens europeus, entre os 12 e os 19 anos, através do seu envolvimento ativo na reformulação das formas de vivenciar, compartilhar e criar literatura.
O programa Língua de Todos é repetido no sábado, dia 28 de março, depois do noticiário das 09h00; e o Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 4 de abril, às 15h30. Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.