1. O número de novos casos de infeção pelo novo coronavírus continua a subir na Europa e em muitos outros locais deste nosso planeta, tendo já atingido mais de 280 mil pessoas e provocado mais de 11 mil mortes. A pandemia ocupa de forma quase plena não só o espaço mediático como também as conversas privadas. Desde as medidas profiláticas às políticas, desde as especialidades médicas às áreas da ciência envolvidas, desde o tratamento estatístico dos dados à sua análise, tudo envolve léxico para ser verbalizado e significações que devem ser claras. Por esta razão, o Ciberdúvidas assume também como sua a missão de esclarecer sem deixar de cuidar a língua portuguesa, o que nos leva a retomar neste espaço a explicação de termos que têm sido mobilizados para falar / escrever sobre a situação que se vive (A este propósito, consulte-se também as explicações já divulgadas aqui, aqui e aqui):
Primeira imagem: COM'tacto, composição gráfica de Josefa Reis, 2020
— Achatamento da curva. Redução ou abrandamento do crescimento do número de infetados, afastando-se dos números previstos pelos modelos matemáticos.
— Anestesiologia. Área da medicina que estuda técnicas de anestesia e reanimação.
— Anestesiologista. Especialista em anestesiologia.
— Centro de rastreio. Local onde se realizam testes para despistar a presença de algo (na atual situação, do vírus SARS-CoV-2).
— Cogula. Espécie de carapuço que os profissionais de saúde vestem por cima da máscara e dos óculos, protegendo-os na face e na região cervical. Com a viseira colocada por cima, seu uso é recomendado para médicos e enferrmeiros que prestam cuidados de saúde mais invasivos — como é o caso dos intensivistas, dos infecciologistas e dos internistas.
— Comorbidade. Associação de duas ou mais doenças na mesma pessoa.
— Confinamento. Estado de quem está fechado numa área reservada, afastado do contacto com os outros; na atual situação, aplica-se a quem está em casa, sem contactos sociais no exterior.
— Curva de contágio. Percurso de crescimento/ rajetória seguida pelo número de contágios num dado espaço físico e num dado intervalo temporal.
— Curva sombrero. Por regra, um surto epidémico desenvolve-se de acordo com uma curva com uma forma que muitos comparam à de um “sombrero” mexicano. Saber se os sistemas de saúde lidam bem ou mal com esses surtos epidémicos depende da altura do “sombrero”. A imagem aqui (em inglês: Flattening the Coronavirus Curve) e aqui.
— Epidemiologia. Ciência que estuda as epidemias.
— Epidemiologista. Especialista na área da epidemiologia.
— Imunidade: invulnerabilidade do organismo ao ataque de agentes infecciosos.
— Isolamento. Situação em que fica alguém com teste positivo de covid-18.
— Infecciologia/Infectologia: palavras sinónimas que referem a área da medicina que estuda as doenças infecciosas.
— Infecciologista/Infectologista: palavras sinónimas que referem o especialista em infecciologia / infectologia.
— Infetado vs. Infestado: pessoa que está contagiada está infetada; infestado é o que está invadido por alguma coisa (por exemplo, por parasitas que causam doenças).
— Internista. Médico especialista de medicina interna
— Medicina interna. Área da medicina que avalia o doente como um todo; atividade exercida sobretudo nas urgências hospitalares, fazendo o estudo e orientação inicial do doente na fase de internamento;
— Microbiologia. Ciência que estuda os micróbios.
— Microbiólogo/Microbiologista. Palavras sinónimas; especialista em microbiologia.
— Percentagem/Porcentagem. Designa uma dada proporção em relação a cem; porcentagem é termo usado no português do Brasil.
— Planalto. É quando a curva de contágios deixa de subir, estabilizando o número de infetados.
— Pneumologia. Área da medicina que estuda os pulmões.
— Pneumologista. Especialista em pneumologia.
— Quarentenar: verbo intransitivo que significa «fazer quarentena».
— Severo vs. Grave: severo significa acentuado, enquanto grave significa duro, sério.
— Sintomatologia: conjunto de sintomas de uma determinada doença; no caso da covid-19, pessoas assintomáticas poder ser transmissoras do vírus, mais do que se supunha no início do surto pandémico.
— Taxa (ou coeficiente) de mortalidade (e não ‘taxa de mortandade’). Indice demográfico que normalmente indica o número de mortes por mil habitantes. Diferente de taxa de letalidade: a proporção entre o número de mortes por uma doença e o número total de doentes que sofrem dessa doença, ao longo de um determinado período de tempo. É geralmente expressa em percentagem.
— Viseira. Equipamento para proteção facial dos profissionais de saúde em serviço hospitalar de risco acrescido de contágio, como no tratamento de doentes com a covid-19.
Destaque também para a dinâmica da língua que, dando resposta às necessidades da realidade, se abre à criação lexical. A nova "palavra" coronabonds é disso exemplo. O termo da área da economia, formado a partir da palavra eurobond (palavra já dicionarizada e usada para referir as obrigações emitidas pelos países da eurozona)*, tem sido usado para referir a possibilidade de emissão de dívida a muito longo prazo pelos países europeus para fazer face à crise provocada pela pandemia do novo coronavírus (cf. notícias aqui, aqui e aqui).
* Obs.: Apesar de eurobond ser termo corrente na comunicação social, convém assinalar que existe um termo português equivalente, euro-obrigação, que está registado no dicionário de português da Porto Editora (em linha na Infopédia). Transpondo este caso para o de coronabons, pode formar-se em português o neologismo coronaobrigações., constituído por corona-, de coronavírus, e obrigação, tradução do inglês bond, nas aceçõs de «obrigação» e «título de dívida».
2. Dúvidas das mais diferentes áreas continuam a chegar ao Consultório do Ciberdúvidas. A etimologia é, com muita frequência, uma área de interesse que motiva novas questões relacionadas com a história das palavras. Desta vez, a palavra eleita foi poesia. É sobre a sua etimologia e ortografia esta nova resposta. É também a história das palavras e da sua evolução e eventual distribuição geográfica que justifica o cotejo entre «grão de arroz» e «bago de arroz». Já no plano da sintaxe, regressamos ao tratamento das orações subordinadas infinitivas para avaliar as situações em que se deve recorrer ao infinitivo pessoal (a partir da expressão «julgamos ser eternos») e a correção do recurso à preposição a em «ouvir alguém a pedir ajuda». Para finalizar, uma resposta que esclarece qual o plural do termo associação-membro.
3. O vocábulo insula deu origem a inúmeras palavras (sobretudo topónimos) que, nas línguas europeias, guardam o conceito de "ilha" na sua significação. É esta a história que nos conta o professor João Nogueira Costa neste apontamento, fazendo ainda uma viagem em busca da identificação da influência do termo árabe que designa ilha (jazira) na designação de várias localidades do Norte de África, de Espanha e de Portugal.
4. Há línguas escritas, outras apenas faladas, mas também há línguas assobiadas. No Norte da Turquia, os habitantes de Kuşköy (a "ilha dos pássaros", numa tradução para português) comunicam através de uma língua assobiada, que inclui uma estrutura lexical e sintática e que permite comunicar a longas distâncias. Uma linguagem cujo processo de produção e compreensão mobiliza os dois hemisférios cerebrais (enquanto a linguagem escrita ou falada se associa apenas ao hemisfério esquerdo) (cf. notícia).
5. O isolamento a que estamos obrigados durante o estado de emergência pode ser transformado numa oportunidade cultural. Temos aqui dado notícia de algumas propostas que têm surgido. Hoje, deixamos mais algumas:
– assistir a concertos (por exemplo da Filarmonia de Berlim);
– visionar filmes (acompanhando, por exemplo, a Quarentena Cinéfila da Medeia filmes);
– assistir a uma peça de teatro (a partir, por exemplo, do D. Maria em Casa ou com as propostas do Teatro Aberto);
– visitar virtualmente museus (por exemplo, o Museu do Prado, o Museu Britânico ou o Museu Guggenheim);
– Ler poesia, romances, ensaios ou acompanhar o Festival de poesia à mesa, consultar os livros disponibilizados pela Rede Nacional de Bibliotecas Públicas ou pelo Plano Nacional de Leitura na sua (Anti)quarentena de Leitura;
– A todas as sugestões que deixamos, acrescentamos a leitura do poema que o poeta Manuel Alegre dedicou a Lisboa em época que estado de emergência:
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Lisboa Ainda Lisboa não tem beijos nem abraços não tem risos nem esplanadas não tem passos nem raparigas e rapazes de mãos dadas tem praças cheias de ninguém ainda tem sol mas não tem nem gaivota de Amália nem canoa sem restaurantes, sem bares, nem cinemas ainda é fado ainda é poemas fechada dentro de si mesma ainda é Lisboa cidade aberta ainda é Lisboa de Pessoa alegre e triste e em cada rua deserta ainda resiste. 20 de março de 2020, Manuel Alegre |