A questão que apresenta é pertinente, ainda que de difícil resposta, pois em algumas situações a fronteira não é muito clara. No entanto, há um aspecto a ter em conta: nem sempre o valor semântico tem uma relação directa com a função sintáctica. Vejamos o caso de dois verbos, amar e gostar, nas frases:
1 – «O João ama a Maria.»
2 – «O João gosta da Maria.»
Semanticamente, os dois verbos são próximos. Sintacticamente temos em 1 um complemento directo e em 2 um complemento oblíquo.
Voltando à dúvida apresentada, vou tentar ilustrar as situações em que o nome ocorre com complemento, socorrendo-me da Gramática da Língua Portuguesa, de Mira Mateus e outras, bem como dos apontamentos facultados durante a acção de formação Inovação e Tradição no Ensino do Português: a Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário, que teve lugar na Faculdade de Letras, em Outubro e Novembro de 2005.
A – Os nomes cujo complemento é mais facilmente identificado são os deverbais, ou seja, aqueles que derivam de um verbo. Esses nomes têm como complementos as mesmas entidades que integram o predicado cujo núcleo é o verbo. Vejamos as frases:
3 – «A empresa construiu um edifício.»
4 – «A construção do edifício foi célere.»
Repare que edifício em 3 é núcleo do grupo nominal que tem a função de complemento directo do verbo, ou núcleo do predicado. Em 4, por sua vez, é complemento do nome, ligado a esse nome pela preposição de. Esta é a transposição habitual, sempre que um verbo dá origem a um nome. E é a mesma situação que ocorre na expressão «oferta de livros», dado que oferta é um nome deverbal, que deriva de um verbo transitivo.
Quando um nome deverbal provém de um verbo transitivo directo e indirecto, o nome poderá ter dois complementos, um relativo ao CD, outro ao CI:
5 – «A Maria ofereceu livros ao João.»
6 – «A oferta de livros ao João foi oportuna.»
B – Outro grupo em que a identificação é fácil é o dos nomes cuja regência prevê o uso de um grupo preposicional introduzido por uma dada preposição:
18 – «A hipótese de chegar a tempo é remota.»
19 – «Tenho vontade de visitar aquele museu.»
C – Nomes derivados de outros nomes, ou de adjectivos, podem, igualmente ter complemento:
a) Quando o nome derivado se relaciona com uma actividade, ou profissão, e o sintagma preposicional especifica essa mesma actividade:
7 – «O porteiro do hotel abriu a porta.»
8 – «O artista de circo tem uma profissão arriscada.»
Em alguns casos, como em 8, é possível substituir o grupo preposicional por um adjectivo relacional: «O artista circense.»
b) Quando o nome derivado de outro nome é um colectivo e a expressão é equivalente a uma frase com o verbo ter:
9 – «A vizinhança da Maria» = «A Maria tem vizinhos».
c) Quando o nome deriva de um adjectivo e a expressão equivale a uma frase «copulativa»:
10 – «A elegância da Maria» = «a Maria é elegante» = «a sua elegância» = «a elegância dela».
11 – «A diferença entre o João e o José» = «O João e o José são diferentes».
D – Alguns nomes cuja formação se não relaciona com outras classes de palavras têm como complemento o grupo encaixado que os segue:
a) Quando há relação de parentesco, ou outra equivalente a um genitivo:
12 – «O pai do João» = «O seu pai».
13 – «O amigo do João» = «O seu amigo».
14 – «O vizinho do João» = «O seu vizinho».
b) Quando há uma relação parte-todo:
15 – «A perna da mesa.»
16 – «O braço do João.»
c) Quando há uma relação de possuidor ou agente e tema:
17 – «A fotografia da Maria» = «A Maria tem uma foto» (possuidor e tema) ou «A Maria tirou uma foto» (agente e tema).
Obs. Creio que a palavra fotografia pode também ser interpretada como nome icónico e, nesse caso, integrar-se-ia na alínea e) abaixo.
d) Quando são nomes icónicos, como foto, imagem, desenho, figura:
20 – «A imagem da cidade é interessante.»
e) Nomes que estabeleçam uma relação de grande proximidade com o grupo encaixado:
21 – «Camisa de seda.»
Note-se que, na expressão «camisa de seda para homem», o grupo preposicional «de seda» tem uma relação mais próxima com o núcleo do que «para homem»: «(?) Camisa para homem de seda.»
Em relação à alínea e), e ilustrando a dificuldade de estabelecer com rigor a relação entre um nome e o seu complemento, saliento a diferente interpretação (sem excluir que se trate de uma dificuldade de compreensão minha), face a expressões como «livro de matemática» [gramática referida, p. 341, ex. (33) b)] e «livro de francês» (material de apoio da acção de formação, dia 2/11/2005): enquanto, na gramática, Ana Maria Martins parece interpretar a expressão «de matemática», ou «de história», como complemento, no material de apoio da acção de formação, Anabela Gonçalves considera «de francês», em «livro de Francês», como modificador.
Assim, relativamente aos exemplos que apresenta, em «a construção do edifício» e «a oferta de livros», estamos perante complementos, uma vez que o nome núcleo do grupo nominal é deverbal, construído a partir de um verbo; em «a estação do metro», temos um nome que pode enquadrar-se na alínea e) do ponto C, acima.
Em «o passeio de barco», embora passeio seja um nome deverbal, «de barco» não é argumento de passear. Se fosse «o passeio do João», como transposição de «O João passeia», já estaríamos perante um complemento, uma vez que «o João» é argumento externo do verbo.
Em «o rapaz de barba», não consigo integrar a relação estabelecida em nenhuma das descrições feitas acima, pelo que consideraria «de barba» como modificador.
Em «a viagem de Lisboa ao Porto» não há uma relação tão próxima entre o núcleo e os grupos preposicionais que não seja fácil colocar um modificador entre eles: «a viagem de comboio de Lisboa ao Porto». Além disso, o novo grupo preposicional introduzido surge em cascata, ou seja, em sequência, o que, segundo o material de apoio distribuído na acção de formação citada, acontece só com modificadores.