Multilinguismo e cooficialização de línguas - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Início Outros Diversidades Artigo
Multilinguismo e cooficialização de línguas
Multilinguismo e cooficialização de línguas
Uma política linguística inovadora no Brasil

Em uma das crônicas deste programa [Páginas de Português], eu havia falado sobre o multilinguismo brasileiro, visto que no país convivem, além do português, as línguas indígenas, de imigração e a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais).  Essa grande diversidade linguística traz consigo muitos desafios, tanto no plano educacional, quanto no das políticas linguísticas que são criadas para garantir a manutenção e a preservação das línguas minoritárias que coexistem no mesmo território.  

Podemos compreender política linguística como as diferentes ações e decisões tomadas sobre as línguas e sua relação com a sociedade, determinando seus nomes, os seus modos de circulação, a sua difusão e preservação, assim como que línguas devem ser ensinadas, para quem e em que contextos, entre outros aspectos. Assim, num país multilíngue como o Brasil, muitas políticas têm sido criadas ao longo dos últimos 20 anos. Uma das ações de política linguística mais notáveis, e que é inovadora no mundo, tem sido o processo de cooficialização de línguas em nível municipal.

Outros países multilíngues no mundo, como a Índia e a África do Sul, cooficializaram muitas de suas línguas, mas em nível regional ou estadual. A cooficialização em nível municipal somente existe no Brasil, e teve o seu início a partir de 2002, como resultado dos esforços das comunidades linguísticas implicadas e de entidades como o Instituto de Investigação e Desenvolvimento em Políticas Linguísticas – IPOL, um dos pioneiros no desenvolvimento desse tipo de política. 

Em 2020, ao lado do Português e da LIBRAS, línguas oficiais em âmbito nacional, já são 10 línguas indígenas cooficiais, em 8 municípios brasileiros, segundo dados do IPOL1. São elas: tukano, nheengatu, baniwa, guarani, akwê xerente, macuxi, wapichana, ingaricósaterê mauê e mebêngokrê[1]. Já as línguas de imigração, são 4 cooficiais, em 26 municípios: pomeranohunsrückish ou hunsriqueano, talian e alemão. Esses são exemplos de como as comunidades são capazes de lutar pelos seus direitos linguísticos e, com isso, criarem novos modos de ordenamento jurídico para as suas línguas.

1 Disponível em "Lista de línguas cooficiais em municípios brasileiros", IPOL (acesso em 22/09/2020).

 

[Áudio disponível aqui.]

 

[1  N. E. – Mantêm-se as grafias empregadas pela autora, as quais, aliás, se encontram na sua maioria nas páginas de Povos Indígenas do Brasil. Note-se que as letras k e w só em nomes estrangeiros e seus derivados devem ocorrer (cf. Base I, 2, do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990). Contudo, a Nota Explicativa associada ao texto do Acordo Ortográfico parece permitir alguma liberalidade com a escrita de tais letras em termos provenientes da línguas tradicionais africanas, inferindo-se daqui alguma margem para a aceitação de k e w em etnónimos e glossónimos relativos às culturas índias da América do Sul. Apesar de tudo, assinale-se "mebêngokrê" como verdadeira violação dos princípios de acentuação gráfica do português contemporâneo, dada a impossibilidade de haver dois acentos na mesma palavra gráfica (o til não conta como acento); melhor seria grafar "mebengokrê". Trata-se certamente de uma área a requerer a atenção das entidades que regulam e monitorizam as normas ortográficas.] 

Fonte

Crónica que a autora escreveu e leu para o programa Páginas de Português, na Antena 2, do dia 22 de setembro de 2020.

Sobre a autora