« (...) Mesmo que a Inteligência Artificial venha a facilitar a compreensão interlinguística, é possível que as pessoas invistam mais na aprendizagem de línguas, de modo a ser capazes de compreender e usar a sua significância cultural, no trabalho e em interações linguísticas.»
Foi publicado a 14 de junho, pela OCDE, o estudo A procura de competências linguísticas no mercado de trabalho europeu: evidência a partir de anúncios de emprego online. O trabalho foi desenvolvido nos 27 países da UE e no Reino Unido (RU), com dados de 2021, e analisa os requisitos de competências linguísticas, com destaque para inglês, alemão, francês, espanhol e chinês. O documento merece leitura atenta, especialmente por parte dos decisores políticos em linguística e educação; aqui apenas poderei partilhar algumas informações de interesse geral.
Uma das principais conclusões é a de que a Europa continua a ser um mercado de trabalho linguisticamente diversificado e que quem procura emprego num determinado país tem de dominar a(s) língua(s) usada(s) nesse contexto. Em média, nos países da UE e no RU, mais de 10% dos anúncios requerem explicitamente competências em línguas que não a(s) do país; em França e na Alemanha, esses valores ascendem a 45% e 32%, respetivamente. Na Áustria, Bélgica, Dinamarca, Hungria, Itália, Países Baixos, Portugal e Suécia, mais de 15% dos anúncios requerem competências em pelo menos uma língua diferente daquela em que o anúncio é redigido.
Apesar da heterogeneidade linguística do mercado de trabalho europeu, o domínio do inglês confere vantagens aos trabalhadores, especialmente em empregos mais qualificados. Em média, excluindo Malta e Irlanda, 22% de todas as ofertas de emprego requerem conhecimento de inglês, explícita ou implicitamente (escrevendo em inglês); em França, são 48% dos anúncios. No que tange às demais línguas focadas, apenas 1 a 2% das ofertas de emprego as mencionam. Embora o inglês seja predominante, o documento realça que, apesar de esta língua estar a emergir como língua com potencial agregador do mercado de trabalho europeu, as línguas nacionais e locais continuam a desempenhar um papel importante: a maioria das ofertas de trabalho não são publicadas em inglês, mas nas línguas nacionais de cada país, e centenas de milhares de anúncios são escritos em línguas de âmbito regional, como o galês e o basco.
Portugal é o país cujos anúncios, em média, mais requerem competências em espanhol (quase 29%), seguido da Croácia (15%). Relativamente ao alemão e ao francês, as percentagens são, respetivamente, 4,2% e os 4%, sendo o país que mais requer o francês, ultrapassado pelo Luxemburgo. Em contrapartida, o português é a penúltima língua requerida (entre 30, incluindo o chinês, o árabe e o russo), com menos de 0,1% de anúncios.
O estudo refere que as ferramentas de tradução reforçadas pela inteligência artificial (IA) poderão permitir a pessoas com competências linguísticas limitadas derrubar barreiras linguísticas e trabalhar em outros países, pelo menos em algumas ocupações. Os avanços tecnológicos deslocam as fronteiras do que os mediadores digitais são capazes de fazer e podem alterar o custo de oportunidade (i.e. o benefício potencial que um indivíduo, investidor ou homem de negócios perde quando opta por uma alternativa em vez de outra) da aquisição de competências linguísticas. Porém, mesmo que a IA venha a facilitar a compreensão interlinguística, é possível que as pessoas invistam mais na aprendizagem de línguas, de modo a ser capazes de compreender e usar a sua significância cultural, no trabalho e em interações linguísticas.
Dominar várias línguas vale a pena. E continuará a valer.
Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias, em 26 de junho de 2023.