O filipino e demais línguas das Filipinas - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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O filipino e demais línguas das Filipinas
O filipino e demais línguas das Filipinas
Um fascinante objeto de estudo para a sociolinguística

« (,,,) Num país de tão grande diversidade linguística e que sofreu duas intensas colonizações (também linguísticas) de Espanha e EUA, compreende-se o desejo e a necessidade de estabelecer uma "língua nacional", de base autóctone, que seja ao mesmo tempo unificadora e identitária (...).»

 

Pela localização geográfica e história, as Filipinas apresentam um complexo e interessante mosaico linguístico.

De acordo com o Ethnologue são 175 as línguas ainda existentes nas Filipinas. A grande maioria é da família austronésia (a que também pertence o tétum), com 1256 línguas, faladas sobretudo nas ilhas do Sudeste Asiático e do Pacífico. As principais línguas austronésias das Filipinas são o tagalo (tagalog), o cebuano ou bisaya, o ilocano, o hiligaynon, o bicolano (bikol), o samarenho ou waray-waray, o pampangano, o pangasiano, o maguindanao, o maranao e o tausug. Além destas, fala-se chavacano ou zamboanguenho, um crioulo de base lexical espanhola, língua gestual filipina, espanhol e inglês (línguas de colonização), árabe, variedades de chinês e malaio, entre outras. O tagalo (com mais de 20 milhões de falantes como primeira língua e mais de 50 milhões como segunda língua) é a mais falada de todas e a que, ao longo do séc. XX, foi maioritariamente escolhida para constituir a base de uma «língua filipina».

A Constituição da República das Filipinas, de 1987, proclamou o país como um estado democrático e republicano, consagrando a separação entre a Igreja e o Estado (Art.º III). Nas secções 6 a 9 do Art.º XIV, intitulado "Educação, Ciência e Tecnologia, Artes, Cultura e Desporto", o texto constitucional estabelece que a língua nacional das Filipinas é o filipino e que o Governo tomará medidas para iniciar e sustentar o seu uso como meio oficial de comunicação e de instrução no sistema educativo (6). Estabelece, ainda, que as línguas oficiais, para efeitos de comunicação e instrução, são o filipino e, até alteração da lei, o inglês; que as línguas regionais são línguas oficiais auxiliares nas respetivas regiões, aí servindo com meios auxiliares de instrução; que o espanhol e o árabe serão promovidos de forma voluntária e opcional (7). A Constituição é promulgada em filipino e em inglês, e traduzida para as maiores línguas regionais, árabe e espanhol (8). Por fim, determina-se a criação de uma comissão da língua nacional, composta de representantes de várias regiões e disciplinas, que iniciará, coordenará e promoverá investigação que permita o desenvolvimento, difusão e preservação do filipino e das demais línguas (9). Atualmente, a Komisyon sa Wikang Filipino (KWF), instituída em 1991, é a entidade reguladora oficial da língua filipina e a instituição governamental que tem por missão desenvolver, preservar e promover as diferentes línguas locais, incluindo o filipino.

Num país de tão grande diversidade linguística e que sofreu duas intensas colonizações (também linguísticas) de Espanha e EUA, compreende-se o desejo e a necessidade de estabelecer uma «língua nacional", de base autóctone, que seja ao mesmo tempo unificadora e identitária; no entanto, o percurso para a escolha do filipino, variedade padronizada e codificada do tagalo, ficou marcado por fortes discussões internas e interétnicas, ao longo do século XX. De resto, ainda hoje, muitas comunidades se sentem discriminadas pela escolha do filipino como língua nacional e oficial, e.g., a de língua cebuana, a segunda do país, falada por cerca de um quinto da população. Além disso, alguns autores criticam a hispanização de conceitos ainda hoje evidente, especialmente pelos media, e pugnam por intervenção mais ativa da KWF.

A gestação e o nascimento do filipino constituem fascinante objeto de estudo para a sociolinguística.

 

N. E.Ler aqui o primeiro artigo que, sobre o mesmo tema, a autora publicou também no Diário de Notícias, em 21 de agosto de 2023. Na imagem, a palavra kamusta (ou kumusta), que em filipino significa «olá» ou «como está?» . É uma expressão originária do espanhol «¿cómo está?». Crédito da foto: Edutainment Ventures.

Fonte

Artigo publicado no Diário de Notícias em 28 de agosto de 2023.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.