DÚVIDAS

O pronome que, anáfora e coesão textual

O relativo que não é referido como pronome anafórico. Porquê não? Há alguma gramática que o dê como anafórico e indique a sua necessidade para a coesão frásica?

O complementador que, quando introduz relativas adjetivas, recupera o antecedente. Seria possível relacionar o complementador que com a coesão frásica?

 

Muito obrigado!

Resposta

A situação colocada pelo consulente situa-se essencialmente no quadro da coesão referencial1, processo para o qual pode contribuir um pronome relativo. Esta situação vem descrita em diversas gramáticas2.

Um dos planos da coesão textual é a coesão referencial. Esta estabelece-se, por exemplo, entre um pronome, que, por ter um conteúdo semântico mínimo, faz a sua referência depender de uma expressão referencial plena. Neste caso, diz-se que o pronome é anafórico e a expressão de que depende é o seu antecedente, como acontece em (1), onde «O João» é antecedente do pronome pessoal anafórico o:

(1) «O João chegou. Vi-o subir as escadas.»

Esta relação anafórica pode igualmente ser estabelecida por pronomes demonstrativos (2) ou por pronomes relativos (3):

(2) «O carro está avariado. Este tem um problema no motor.»

(3) «O carro que comprei está avariado.»

Refira-se, por fim, que não se pode confundir a função do pronome relativo que com a do complementador que. Este último introduz, por exemplo, orações subordinadas substantivas completivas e não contribui para a coesão referencial porque não faz depender a sua significação de nenhum antecedente. Este item lexical funciona no plano gramatical, assegurando a ligação entre constituintes da frase, pelo que poderemos afirmar que contribui para a coesão interfrásica, na medida em que exprime o «tipo[s] de interdependência semântica das frases que ocorrem na superfície textual» (Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, p. 91).

Disponha sempre!

 

1. Pode considerar-se que o pronome relativo contribui também para a coesão frásica na medida em que assegura a ligação entre elementos da frase, assinalando a relação que mantêm.

2. Poderão, por exemplo, ser consultadas as seguintes gramáticas: Raposo et al., Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, sbt. pp. 1694-1712 e Mateus et al., Gramática da Língua Portuguesa. Caminho, sbt. pp. 89-115.

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