Do ponto de vista da pronúncia padrão do português de Portugal, as duas palavras em questão, que têm significados diferentes, são homónimas, isto é, são a um tempo homógrafas (têm a mesma grafia, ou seja, escrevem-se da mesma maneira) e homófonas (têm a mesma fonia, ou seja, pronúncia), como se infere das transcrições fonéticas disponíveis no Portal da Língua Portuguesa: mente (forma verbal de mentir) – [ˈmẽtɨ]; mente (nome) – [ˈmẽtɨ].
No caso da forma verbal mente, poderia supor-se alguma alteração fonética na modalidade padrão da língua, dado que, como forma conjugada de mentir, a sílaba men- recebe o acento tónico e tal seria causa para uma eventual abertura vocálica, tal como acontece com medir, que, na 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo, mede, tem um e aberto. Contudo, se esse juízo pode ser válido para as vogais orais, já não o é para as vogais nasais, que, no padrão do português de Portugal, mantêm timbre fechado, sejam elas tónicas ou átonas. Por outras palavras, o [ẽ] do infinitivo mentir, [mẽˈtiɾ] não se altera quando figura em mente, [ˈmẽtɨ], 3.ª pessoa do singular do presente do indicativo, forma que tem, portanto, a mesma pronúncia que o nome mente, [ˈmẽtɨ], seu homónimo.
Acontece, porém, que, nos dialetos setentrionais portugueses, é possível encontrar um contraste entre a forma verbal em apreço e o nome mente. Com efeito, apesar de a consulente não dar mais pormenores sobre a distinção de que se apercebe, é plausível que, na variedade portuguesa que ela fala, sistemática ou esporadicamente, a sílaba tónica da forma verbal mente exiba um e aberto nasal, enquanto a do nome mente encerre um e fechado nasal – ou vice-versa. Esta vogal aberta nasal não é desconhecida nos dialetos setentrionais portugueses; por exemplo, regista-se na pronúncia de dentro, articulável com um e aberto nasal ou, até, uma vogal aberta oral seguida de consoante nasal1, o que em transcrição fonética corresponderá, respetivamente, a [ˈdɛ̃tɾu] e [ˈdɛntɾu]. Do mesmo modo, a grafia mente poderá corresponder às transcrições [ˈmɛ̃tɨ] , com e aberto nasal, ou [ˈmɛntɨ], com e aberto oral seguido de consoante nasal.
Em suma, a forma mente pode pronunciar-se de maneira diferente em «ele mente» e «a mente», em certas modalidades enquadráveis nos dialetos setentrionais do português de Portugal. Em regiões onde existe tal diferença, parece, portanto, adequado classificar tais palavras não como homónimas, mas, sim, como homógrafas.
1 Cf. Maria João Freitas, Celeste Rodrigues, Teresa Costa e Adelina Castelo, em Os Sons Que Estão dentro das Palavras (Lisboa, Edições Colibri/Associação de Professores de Português, 2012, págs. 164/165.