DÚVIDAS

Derivados sufixados com -nte

Conquanto não pertença ao paradigma verbal normativo, o particípio presente segue em uso regular na fala e escrita, em neologismos espontâneos, geralmente com final -ante, inclusive com função verbal.

No entanto, para verbos cuja vogal temática é o i, concorrem as possibilidades -iente e -inte. Portanto, qual alternativa seria a mais adequada?:

«Todos os "saintes" devem deixar o crachá à mesa.»

«Todos os "saientes" devem deixar o crachá à mesa.»

«Todos os "salientes" (forma latina) devem deixar o crachá à mesa.»

Quais as regras aplicáveis a essa classe de adjetivos de base verbal da língua portuguesa?

Resposta

O sufixo  -nte, que é muito produtivo na produção de adjetivos deverbais (derivados de temas verbais), remonta ao sufixo flexional do particípio presente latino. Contudo, a sua ativação frequente, na formação de novos derivados, não é indicativa de que exista um particípio presente em português.

No caso de derivados sufixados por -nte, a possibilidade correta com temas de verbos da 3.ª conjugação (acabada em -ir) é com a terminação -inte ou -ente:

a) ouvi- (ouvir)> ouvinte; pedi- (pedir) > pedinte; sai- (sair) > sainte; segui- (seguir) > seguinte;

b) agi- (agir) > agente; dormi- (dormir) > dormente; referi (referir) > referente; servi- (servir) > servente.1

A terminação -iente só  figura em adjetivos resultantes da adaptação de formas latinas: convenie- (do latim convenire) > conveniente; incipie- (do latim incipere) > incipientesali- (do latim salire) > saliente.

Note-se que as formas acabadas em -iente só se aceitam se foram transpostas do latim clássico diretamente, por via  erudita, para o português. Não é, portanto, aceitável a forma "saiente", que mistura a morfologia do português contemporâneo (sair) com a configuração latina de transmissão culta (-iente).

Por último, em relação às frases apresentadas na questão, observe-se que é desadequado o uso de saliente, adjetivo que hoje  não significa «que sai», mas, sim, «que sobressai, que se destaca». Também a frase com sainte tem problemas: embora interpretável como «que sai», os registos dicionarísticos atribuem-lhe ainda a aceção de «que termina (por exemplo, um mandato)», além de o aproximarem semanticamente de saliente (cf. Infopédia e Dicionário Houaiss). Preferível será achar outra formulação frásica: «Todas as pessoas que saem devem deixar o crachá na mesa» («na mesa» melhor que «à mesa»).

Em suma, sainte («que sai,sobressai») e saliente («que sobressai, que se destaca»), apesar de pouco se afastarem na significação, são um bom exemplo de palavras divergentes.

 

1 Para a justificação histórica desta variação, incluindo as formas acabadas em -iente (saliente), ver Graça Rio-Torto, "Derivação" in Gramática do Português, Fundação Calouste Gulbenkian, 2020,p. 3060/3061).

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa