Relativamente à interpretação do constituinte «o que» existem posições gramaticais distintas, que se refletem em diferentes respostas disponíveis no Ciberdúvidas1 Analisaremos aqui duas dessas visões.
Por um lado, há gramáticos que, numa perspetiva que vem da tradição, consideram que «o que» é, sempre que ocorre, um constituinte formado pelo pronome indefinido o, que funciona como antecedente da oração relativa2, introduzida pelo pronome relativo que. Nesta perspetiva, a oração relativa tem uma natureza adjetiva restritiva e desempenha a função sintática de modificador do nome restritivo. A função sintática de predicativo do sujeito é desempenhada pelo constituinte «os que saíram no último teste»:
(1) «Os conteúdos são [os [que saíram no último teste]modificador do nome restritivo]predicativo do sujeito.»
Por outro lado, encontramos propostas mais recentes que propõem que «o que» seja considerado como uma locução pronominal relativa formada pelo artigo definido o seguido do relativo que. Nesta construção, o artigo definido é invariável e a locução relativa tem como antecedente toda uma oração, como acontece em (2):
(2) «Ele estudou muito, [o que contribuiu para o seu sucesso]modificador apositivo de frase.»
Neste caso, a oração relativa tem a função de modificador apositivo de frase, como se representa em (2).
A identificação da locução «o que» pode fazer-se por meio de alguns testes, como3:
(i) o não pode ser substituído por um pronome:
(2a) «*Ele estudou muito, este que contribuiu para o seu sucesso.»
(ii) se «o que» for preposicionado, a preposição coloca-se em início de oração
(3) «Ele estudou muito pelo que teve sucesso.»
(4) «Ele decidiu ir para gestão, com o que todos concordaram.
(iii) a oração introduzida por «o que» é equivalente a uma construção introduzida por nomes abstratos como facto, motivo:
(5) «Ele estudou muito, facto que contribuiu para o seu sucesso.»
É importante, todavia, que se tenha em consideração que nem sempre o uso de «o que» numa frase corresponde à presença de uma locução relativa. Vejamos, agora, a frase (6):
(6) «Entre os melhores livros, está o que me ofereceste.»
Se procurarmos aplicar os testes que apresentamos acima, verificamos que, neste caso,
(i) «o que» não tem como antecedente uma oração;
(ii) o pode ser substituído por outro pronome:
(6a) «Entre os melhores livros, está este que me ofereceste.»
(iii) se existir uma preposição, ela ocorre entre o e o relativo que:
(6b) «Entre os melhores livros, está o de que me falaste.»
(iv) a oração não pode ser introduzida por um nome abstrato como facto:
(6c) «*Entre os melhores livros, está facto que me ofereceste.»
Neste caso particular, o é usado como “pronome demonstrativo”, retomando um antecedente presente na frase ou elítico (que se reconstrói pelo contexto). De acordo com a proposta de Veloso, o é, neste caso, um artigo definido que determina um nome elítico, pelo que a frase terá a seguinte configuração:
(7) ««Entre os melhores livros, está o [livro] que me ofereceste.»
Note-se, ainda, que neste uso particular o é variável, ao contrário do que acontece com a locução «o que»:
(8) «Entre as melhores guitarras, está a que me ofereceste ontem.»
A frase apresentada pela consulente corresponde a esta última situação, pelo que a análise proposta acima no quadro da análise de Cunha e Cintra também se aplica neste quadro, sendo que a diferença entre as duas posições está no facto de se considerar que o relativo que retoma um antecedente elítico (neste caso, a palavra conteúdos). A oração «que saíram no último teste» será, desta forma, uma adjetiva relativa restritiva que tem como antecedente «os [conteúdos]».
Refira-se, por fim, que «o que» só vem referido no Dicionário Terminológico no quadro das orações substantivas relativas, o que corresponderá a um uso como o que se apresenta em (9):
(9) «O que chegar primeiro ficará neste lugar.»
Disponha sempre!
*assinala a agramaticalidade da frase.
1. Veja-se também esta resposta.
2. Cf., por exemplo, Cunha e Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo. Ed. Sá da Costa, pp. 598-599.
3. Segue-se, neste caso, a proposta de Veloso in Raposo et al. Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 2085-2089.