Angola parece, por vezes, destacar-se na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa como Estado pouco recetivo a convergências em matéria de política linguística, como poderá evidenciar, por exemplo, a sua posição pouco ou nada favorável ao Acordo Ortográfico de 1990. Para esta atitude de demarcação, terá contribuído a história recente do país, com mais de duas décadas de guerra civil logo após a independência, criando condições de instabilidade para que, na população, se definissem padrões de uso menos escrutinados com impacto inevitável na definição da norma nacional. Ao longo dos anos e confirmando esta perceção, figuras políticas e académicas, como foi o caso de Amélia Mingas (1940-2019), foram também reivindicando para as línguas nacionais uma função decisiva na construção da identidade nacional.
Como se observa na Apresentação desta obra (pp. 6-12), «[a] Língua Portuguesa (LP) chegou em Angola por meio do processo da colonização no século XV», acrescentando-se: «A colonização foi acompanhada da implementação da política linguística que obrigava o ensino e uso do português, segundo o Decreto-Lei nº 39.666, de 20 de maio de 1954, do Estatuto dos Indígenas Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique. O português falado em Angola já se distanciou da variedade de origem. Isso é perceptível na fala dos angolanos. Mas não havia estudos descritivos. Urge a necessidade de desenvolver estudos e pesquisas que visam caracterizar essa nova variedade em uso no cotidiano dos angolanos e angolanas.»
Tal é o contexto da publicação, em 2021, de O Português de/em Angola, homenagem a Amélia Mingas que reúne um conjunto de estudos apoiados em investigação e bibliografia atualizadas, a respeito das grandes tendências do português usado e ensinado nas escolas deste país africano. O volume assim apresentado resulta, como sublinham os organizadores – António Timbane, Daniel Sassuco e Márcio Undolo, todos linguistas –, de parcerias entre estes e vários docentes de universidades públicas e privadas angolanas, bem como de contributos de pesquisadores portugueses, brasileiros e de estudantes da Unilab. A edição, a cargo da Opção Editora, é disponibilizada gratuitamente em formato digital, justificado «pelo acesso democrático e livre do conteúdo, para além da distribuição rápida que não carece de custos».
Organizado em 13 capítulos, este livro é a manifestação do propósito de descrever «a variedade angolana do português nos seus diversos espectros linguísticos: fonético-fonológico, lexical, semântico e sintático». A obra compreende, para tanto, duas partes fundamentais: a primeira, constituída por seis capítulos dedicados à descrição das modalidades que o português assume entre falantes angolanos; e uma segunda parte em sete estudos que se debruçam sobre os condicionalismos históricos do ensino da língua em Angola, geralmente em ambiente bilingue ou plurilingue.
Um aspeto que consubstancia o desejo de afirmar uma identidade linguística própria é o estilo das quase 300 páginas da obra. A sintaxe é já também a de uma variedade angolana apta a dar o seu contributo ao discurso científico em português. Aguardam-se, pois, mais iniciativas editoriais como esta, vindas de Angola ou de outro país africano de língua oficial portuguesa.
Este é um espaço de esclarecimento, informação, debate e promoção da língua portuguesa, numa perspetiva de afirmação dos valores culturais dos oito países de língua oficial portuguesa, fundado em 1997. Na diversidade de todos, o mesmo mar por onde navegamos e nos reconhecemos.
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