A linguista angolana Amélia Mingas, em entrevista publicada no semanário Nova Gazeta de 10 de Outubro de 2013, refere o desvio ao português de Portugal no seu país como um «elemento definidor da norma do português angolano». E sobre o novo acordo ortográfico: «Se for do ponto de vista científico, não há razão para Angola ratificar esse protocolo sobre o AO [...].» A versão mais desenvolvida da entrevista concedida ao jornalista Edno Pimentel, assente na problemática do ensino em Angola das suas línguas nacionais, pode ser lida na rubrica Diversidades, aqui.
Como vê o português em Angola?
Com muita força, mas precisa de ser controlado na sua evolução. Se não ensinarmos as nossas línguas, se não houver quem se debruce sobre a evolução que está a sofrer, pode correr o risco de desaparecer enquanto língua e transformar-se num crioulo.
De qualquer maneira, como é a língua oficial, é a única que permite o nosso contacto com o exterior, há a necessidade de protegê-la através do ensino, que não tenha como objectivo de ensinar o português de Portugal, mas a investigar o português de Angola que se apresenta em termos de norma. Ensinamos o português segundo a norma portuguesa, mas esta não consegue explicar as especificidades do nosso português. Há hoje uma série de dados. Há necessidade do levantamento de todas essas marcas e daí começar a pensar na norma do português de Angola.
Já temos um português angolano?
Sim, temos um português específico. Há o caso da próclise pronominal que está instaladíssima e o dos complementos directo (o) e o indirecto (lhe). No português de Portugal, diz-se “eu convidei-o para jantar”. Em Angola diz-se “eu convidei-lhe para jantar”.
Isso não é um desvio à norma?
Desvio à do português de Portugal, mas é um elemento definidor da norma do português angolano. Temos de fazer em Angola o mesmo que o Brasil fez. Está certo que eles têm muito mais gente que nós, mas juntaram-se os linguistas, fizeram um levantamento das especificidades do português brasileiro. Temos de ver qual é o nosso modo de estar no português para criarmos uma norma.
O que falta para a criação de uma norma angolana do português?
Falta investigação. Voltamos à questão da falta de meios e de condições. É preciso recolher esses falares junto do povo e verificar o que está escrito. Para irmos recolher dados não podemos dar aulas, não podemos ficar nos gabinetes. Há uma série de marcas que precisam de ser estudadas do ponto de vista científico que caracterizam esta comunidade e o português aqui falado.
O Governo [angolano] tem conhecimento desta realidade?
Sim e tem sido receptivo. Houve um aumento no orçamento para a Cultura para 1,23 por cento, mas que serve para o vencimento, subsídios e tudo o resto, incluindo a investigação.
Angola deve ou não ratificar o Acordo Ortográfico (AO)?
Trata-se de um problema do país, em que há uma parte política e outra científica. Se for do ponto de vista científico, não há razão para Angola ratificar esse protocolo sobre o AO, porque não reflecte a realidade e a contribuição dos angolanos para o enriquecimento dessa língua. Por exemplo, temos pré-nasais nas nossas línguas que são muito importantes, como é o caso de mb-, mp-, nt-, nd-, que são elementos que nas nossas línguas contrastam com outras consoantes. Na língua Oio que é falada em Cabinda, se se disser mbuku tem um significado referente à origem de alguma coisa. Mas se disser buku tem outro, «cogumelo». Isso ocorre no português em que não se pode fazer confusão entre bata e pata. Há especificidades das nossas línguas que não estão presentes no AO. Para que o AO seja correcto, cada país deve inventariar os termos das suas línguas e culturas para se ver como deverão ser escritas em português.
Extrato de uma entrevista da linguista angolana Amélia Mingas («Quem pensa no dinheiro não deve seguir Letras [em Angola]» ) ao semanário luandense Nova Gazeta, de 10 de Outubro de 2013, que pode ser lida na rubrica Diversidades. Manteve-se a norma ortográfica seguida ainda em Angola.