Como é sabido, o Acordo Ortográfico de 1990 (AO) afetou a grafia das sequências consonânticas cc, cç, ct, pc, pç e pt, a respeito das quais a base IV do documento determina o seguinte:
a) Conservam-se nos casos em que são invariavelmente proferidos nas pronúncias cultas da língua (…);
b) Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos nas pronúncias cultas da língua (…);
c) Conservam-se ou eliminam-se facultativamente quando se proferem numa pronúncia culta, quer em geral quer restritamente, ou então quando oscilam entre a prolação e o emudecimento (…);»
Assim, verifica-se que é o princípio da pronúncia da norma culta, entendida aqui como a norma-padrão de cada um dos oito países em que o português tem o estatuto de língua oficial, que determina a supressão ou, pelo contrário, a manutenção das consoantes mudas.
Tendo em mente esta noção de norma-padrão, encontramos casos de supressão ou, pelo contrário, de manutenção, de sequências consonânticas apenas numa das normas-padrão ou então transversais a todas as normas-padrão.
O próprio texto em que são enunciados os critérios do Acordo Ortográfico, a Nota Explicativa, refere no ponto 4 que: «Sendo a pronúncia um dos critérios em que assenta a ortografia da língua portuguesa, é inevitável que se aceitem grafias duplas naqueles casos em que existem divergências de articulação quanto às referidas consoantes c e p e ainda em outros casos de menor significado.»
A disponibilidade de um vocabulário ortográfico comum a todas as variedades portuguesas, ou até mesmo a de vocabulários ortográficos nacionais, cada qual específico de cada país em que a língua portuguesa tem estatuto oficial, ajudaria a desvanecer as dúvidas que pudessem subsistir quanto à manutenção ou à supressão de sequência consonântica (no momento da redação desta resposta espera-se em outubro de 2013 a apresentação do Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa). No entanto, tanto no Brasil como em Portugal já existem vocabulários ortográficos que permitem saber em qual destes países se considera mais adequado escrever ou não as sequências em apreço. Pegando, por exemplo, no Vocabulário Ortográfico do Português, do ILTEC, recurso em linha elaborado em Portugal, verificamos que exceção é a forma aceite pelas pronúncias cultas de Portugal e do Brasil; contudo, no caso de deceção, esta forma é apenas assumida em Portugal, e não no Brasil, onde a mesma palavra tem o segmento fónico [p] claramente pronunciado, pelo que, em conformidade com a pronúncia, se estipula neste país a escrita de um p – donde decepção. Uma consulta do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, confirmará que decepção é a grafia adotada no Brasil. Do mesmo modo, se ou quando Angola aplicar o AO, é de esperar que aqui se produza um vocabulário ortográfico próprio que permita, por exemplo, registar, a respeito de deceção/decepção, a grafia adequada ao uso mais prestigiado ou mais generalizado entre os angolanos.