« — Stora, como se escreve "cóque"?
— "Coq" é francês…
— Francês? Não! Eu quero escrever: Eu sou mais esperto "cóque" (que o que) se julga…»
O episódio teria piada se fosse anedota, mas como não é, e como se passou numa escola portuguesa — como tantos outros episódios similares —, não tem piada nenhuma.
Este episódio é só um sintoma que, em si mesmo, nada vem acrescentar àquilo que sabemos que está a acontecer ao ensino há muito tempo: os alunos terminam a escolaridade obrigatória sem que lhes sejam exigidos os conhecimentos básicos. Quem não valoriza sintomas tem já à disposição os recentes resultados do PISA 2006 (estudo da OCDE que compara o desempenho dos alunos de 57 países): na leitura, Portugal está 12 lugares abaixo da média. É lícito inferir que o desempenho na escrita não há-de andar muito longe.
Este episódio exemplifica apenas um fenómeno tristemente curioso: se há uma situação que se vai tacitamente alterando, com reflexos nefastos na vida de todos, a reacção é mínima; se, no entanto, houver uma mudança que se queira, por um acto de vontade, desencadear e pôr no papel, é o bloqueio. Ninguém se sobressalta se gerações e gerações de alunos portugueses — alunos europeus — têm os seus diplomas inflacionados porque não sabem ler ou escrever. Mas se está em causa assinar um documento que muda 1,8% dos hábitos ortográficos dos portugueses — quaisquer que eles sejam, na realidade — «é catastrófico» (Vasco Graça Moura, Público, 29/11/07), é uma «patetice» (Inês Pedrosa, Expresso, 8/9/07), é um «favor» aos brasileiros (Vasco Teixeira, Público, 29/11/07).
Portugal assinou o Acordo Ortográfico em 1991, mas não quis assinar o segundo protocolo modificativo. Agora diz que assina, mas que só em 2018 o porá em prática.
O Estado português não sabe se há-de ou não pôr uma assinatura num papel que muda um tudo-nada a ortografia, mas afoga-se em papéis para tentar embrulhar a iliteracia do país.
*Artigo publicado no semanário Sol de 8 de Dezembro de 2007, na coluna Ver como Se Diz