O escritor Vasco Graça Moura defendeu hoje que o Acordo Ortográfico, que culminará numa homogeneização da grafia da língua portuguesa, serve interesses geopolíticos e económicos do Brasil.
«A aplicar-se o acordo, não tardará a dar-se a supressão na grafia – e portanto também na pronúncia – das consoantes ‘c’ e ‘p’ nos casos em que continuam a ser pronunciadas ou semiarticuladas em Portugal», sustentou Graça Moura numa conferência internacional e audição parlamentar realizada [a 07/04/2008] na Assembleia da República.
Segundo o eurodeputado social-democrata, «chegar-se-á, por este caminho ínvio, ao que era provavelmente o principal desígnio da feitura do Acordo: homogeneizar integralmente a grafia portuguesa com a brasileira, nesse plano, mais uma vez desfigurando a escrita, a pronúncia e a língua que são as nossas».
«Objectivamente – e, decerto, à revelia das melhores intenções dos negociadores portugueses – o Acordo, ao perpetrar tão crucial ablação, serve interesses geopolíticos e empresariais brasileiros, em detrimento de interesses inalienáveis dos demais falantes de português no mundo, em especial do nosso País», frisou.
Por isso – sustentou – o “único objectivo real” das negociações do Acordo Ortográfico foi o da eliminação das consoantes ditas mudas ou não-articuladas”.
Graça Moura notou, contudo, que quanto à pronúncia brasileira, «não pode dizer-se que as consoantes ‘c’ e ‘p’ são invariavelmente mudas em determinadas palavras, porque elas não existem na grafia brasileira dessas palavras».
«É uma disposição tão inócua como seria a que decretasse ser mudo o ‘f’ da palavra ‘automóvel’ ou o ‘x’ da palavra ‘galinha’», gracejou.
Salientando que, «de facto, não se trata de contrapor 10 milhões de portugueses a 180 milhões de brasileiros», mas que «mais de 40 milhões de pessoas seguem a norma portuguesa», o escritor e tradutor alertou para o facto de que «a adopção do acordo redundará em total benefício do Brasil».
«Os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e Timor ficarão completamente dependentes da edição e das indústrias culturais brasileiras», comentou, acrescentando que tal também «virá a acontecer em Portugal».
«Poderão estes países dar-se ao luxo de reciclar professores e de inutilizar milhões de livros e de materiais didácticos, de repente tornados obsoletos, para populações cuja alfabetização e cujo domínio da escrita e da leitura são bastante mais frágeis do que entre nós?», interrogou-se.
«Poderão correr o risco de a língua portuguesa se tornar um factor não de aglutinação da identidade mas de desagregação da identidade?», acrescentou.
Recordando que este Acordo Ortográfico, assinado em 1990, resulta de uma iniciativa do então presidente brasileiro José Sarney que, em 1986, «enviou um emissário aos PALOP com essa finalidade», Graça Moura sublinhou que para o Brasil, «mais realista e mais pragmático, tudo era, desde o início, uma pura questão de mercado».
«Só para alguma ingenuidade nossa, mais propensa à metafísica, é que se trata de assegurar a ‘unidade’ da língua… em termos que não asseguram unidade absolutamente nenhuma», observou.
in agência de notícias portuguesa Lusa, de 7 de Abril de 2008