Declarações do embaixador de Portugal em Brasília, Francisco Seixas da Costa, em entrevista ao jornal Público e à Rádio Renascença, emitida também na RTP 2.
O que é que facilitou ter-se agora chegado a um novo compromisso sobre o Acordo Ortográfico: a saída da anterior ministra da Cultura ou o apelo do Presidente da República?
O Acordo está ratificado pelo Parlamento português desde 1991, agora só esteve em causa a sua entrada em vigor. Ora o Acordo tem uma dimensão estratégica e não vale a pena ter qualquer dúvida de que é o Brasil que hoje tem a liderança no plano da promoção da língua portuguesa. Se o Brasil, por exemplo, entrar para o Conselho de Segurança e levar consigo o português como língua oficial, se não levar consigo a matriz comum do Acordo, levará o português que se fala no Brasil. Se queremos promover a língua portuguesa...
Mas o inglês não necessitou de um acordo ortográfica para ser a primeira língua franca do mundo. Mais: parte do seu sucesso vem da sua capacidade de incorporar termos de outras línguas. Para quê então uniformizar se o importante é miscigenizar?
Estamos a falar apenas de unificar a grafia. A tendência do português é para a língua se afastar mais e mais de país para país e o problema põe-se, por exemplo, quando é necessário assinar um texto comum, internacional. Cada vez que há um encontro entre Portugal e o Brasil, passamos a vida a fazer compromissos para escolher as palavras. O inglês não tem esse problema, está consagrado, enquanto o português vai ter de conquistar o seu lugar. E se o português se consagrar como língua internacional, arriscamo-nos a ficar aqui como uma espécie de dialecto. Temos de compreender que, a nível internacional, não há futuro para a língua portuguesa sem o Brasil.
E está o Brasil empenhado em fazer do português um instrumento de afirmação externa?
Não esteve, mas começa a estar. O Brasil está a começar a perceber que um instrumento fundamental para a afirmação de um poder à escala regional ou mundial é a afirmação de uma língua. Ora se o português é a quarta língua, em termos culturais, a nível mundial, pois não tem as limitações geográficas do russo, do chinês ou do hindu, significa que tem uma capacidade única de se afirmar.
Portugal deve habituar-se à ideia de que será o Brasil a liderar a luta pela afirmação da língua portuguesa?
Não penso que seja uma questão de liderança, antes um problema de realismo entre Portugal, Brasil e até Angola. Temos de olhar para a CPLP como uma comunidade relativamente atípica, porque é única comunidade linguística em que a potência mais importante não é a antiga potência colonial. Talvez isso explique por que razão o Brasil não tem, até hoje, utilizado a CPLP como um instrumento de afirmação da língua. Mas a sensação que tenho é que hoje se começa a perceber que a CPLP pode ser importante para a sua afirmação externa, até porque tem uma agenda muito ambiciosa. Como não há nenhuma dimensão da afirmação externa de Portugal que seja conflitual com a do Brasil, devemos apostar na ambição dessa agenda externa. Até porque houve uma evolução da sociedade internacional no sentido de perceber que o Brasil é uma potência emergente.
in Público do dia 13 de Abril de 2008