Os focos de contágio vão convivendo, nos dias que correm, com os fogos que, aqui e além, vão acendendo o verão. Foco e fogo derivam ambos da palavra latina focus, que significava «lume», «fogão», «fogo». Foco chegou até nós por uma via erudita, que burilou a palavra deixando-a com uma forma bem próxima do termo que lhe deu origem. Os sentidos, porém, foram-se afastando. Das noções primordiais, foco guardou apenas uma ideia difusa da centralidade que tinha o fogo na casa ou no espaço sagrado da Antiguidade, referindo hoje o «ponto para onde converge alguma coisa» ou o «ponto central de onde provém alguma coisa».
Recentemente, temos encontrado a palava nas expressões «foco da infeção» ou «foco da pandemia», designando o ponto a partir do qual se propaga a infeção do coronavírus. Ao contrário do que acontece com a noção original de foco, neste caso, estamos perante um foco para onde ninguém quer convergir, embora esteja permanentemente «em foco», focalizando toda a nossa atenção.
Fogo, por seu turno, afastou-se da palavra focus, porque caiu em mãos populares, que sonorizaram o som [k], transformando-o em [g] (focus – fogo) O afastamento da forma foi proporcionalmente inverso à evolução dos sentidos, que, em grande parte, a palavra manteve, reinventando-se em valores literais e metafóricos. O fogo é um elemento de luz e aquecimento, que tanto pode referir labaredas como uma pequena fonte de calor que nos aconchega no conforto do lar. Pode transforma-se também no «fogo do céu», quando o horizonte se ilumina de raios que traduzem a ira dos deuses ou num «fogo eterno», que nos condena às profundezas do inferno, ou ainda num fogo que não se vê mas sente-se, como o do poeta.
Fogo é também uma força motriz que acalenta as decisões que têm levado tantos jovens a reunirem-se em festas e convívios improvisados. Este é o «fogo da mocidade», de uma geração que não «nega fogo» quando toca a quebrar regras e que gosta de «brincar com o fogo». Esta é uma juventude que traz o «fogo no rabo» em busca de emoções efémeras, que mais não são do que um «fogo de palha» ou um «fogo de vista». A grande questão é que estes jovens se esquecem que estão a «brincar com o fogo» e as suas opções podem levá-los a «comer fogo», que é como quem diz a passar um mau bocado.
O nosso presente é feito «entre dois fogos» ou mesmo entre «fogo cruzado», porque o inimigo é invisível e ainda não se foi embora. O ideal é «cortar fogo», resguardando-se de atividades mais intensas para que estes fogos não gerem ainda mais focos. E se um incêndio maior vier, é certo que ninguém «colocará as mãos no fogo» por quem se deixou consumir pelos fogos da juventude.
(Áudio disponível aqui)