Estou muito agradecido pelas indicações que o Sr. Carlos P. Santos me dá sobre fogo a significar «casa/moradia». Tudo isso já eu sabia ao responder aos consulentes Odete Domingues e Rudolfo Veríssimo. Não me referi à mitologia romana, porque julgo não ser esse o caminho que devemos seguir. Bem sabemos que o focus latino, além de significar fogueira, lume, chama, etc., significava também lar, casa, família e altar (com fogão).
Sim... este fogo era permanente nas habitações dos Romanos, porque era o fogo sagrado e é evidente que «era a esse fogo que correspondia a ideia de 'casa' e não ao lume de cozinhar ou aquecer», como diz Carlos P. Santos. Em nenhuma das respostas afirmei o contrário, nem a Rodolfo Veríssimo, nem a Odete Domingues. Refiro-me, sim, ao «lume de cozinhar e aquecer», mas apenas em Portugal e nunca entre os Gregos e/ou os Romanos, como parece que foi a interpretação do prezado Carlos P. Santos. O latim focus, além de fogo, lume, significava também fogo sagrado, como sabemos, significado este que não existe nem existiu na língua que falamos. E compreende-se, visto que num povo cristão, mesmo antes da fundação de Portugal, seria absoleto dar a fogo o sentido de sagrado. Sendo assim, as noções de casa , lar, família atribuídas a fogo, embora também vindo do latim, nada têm que ver, entre nós, com a mitologia greco-romana.
Por isso, só podemos explicar os significados de casa, família, lar atribuídos a fogo, assentando na vida familiar portuguesa e na dos povos cristãos da Península Ibérica, anteriores a Portugal, mas já a falarem a língua do futuro D. Afonso Henriques, mas que não se encontravam ligados à mitologia. Eis a razão por que me referi apenas à nossa vida familiar. Estarei fora do certo? Aceitarei inteiramente que sim, se alguém mo provar, pelo que ficaria imensamente grato.
Conclusão: a) A explicação do latim focus=casa, habitação, lar, está na mitologia romana. b) A explicação para o português fogo=casa, habitação, lar, está na vida familiar portuguesa junto/à volta da lareira. Lareira era, e ainda é nalgumas casas rústicas, a pedra onde se acendia o lume que aquecia a família e onde se coziam os alimentos.
Deriva de lar+-eira, sufixo indicativo de lugar. E o vocábulo lar veio do latim lare(m), «lar», «casa», «habitação», «moradia».
Quando se falava deste lar, não se visualizava a casa de pedra e cal, mas a casa interior, onde habitavam a mente e o coração, tal como hoje ainda acontece. Sim, ainda... mas pouco. Julgo que tudo isto é suficiente para relacionarmos fogo=habitação com a vida familiar portuguesa, e não com a vida e a mitologia dos Romanos, pois que as ideias mitológicas não transitaram para o nosso povo – já com vida antes de D. Afonso Henriques. Aqui, o fogo não tinha nada de sagrado.
Compreende-se que fogo recebesse os significados de lar, morada, habitação, visto que a cozinha era o centro da habitação: era à volta da lareira, onde brilhava o fogo, que a família se reunia depois da ceia/jantar, conversando sobre os mais diversos assuntos e naquele ambiente tão familiar que algumas vezes vi e senti em terras da Beira, onde filhos, pais e avós rezavam o terço no fim da ceia. E tudo isto contribuía para uma unidade de almas que permanecia no coração das pessoas. Por isso, ao falar-se na casa de Fulano, imediatamente se visualiza aquele agradável ambiente familiar. Essa visualização tive-a eu algumas vezes.
Daqui se compreende que o vocábulo fogo, recebido do focus latino, signifique, como em latim, «lar», «habitação». Mas este lar, mesmo antes de Portugal existir, nada tinha que ver com o lar romano, integrado na mitologia, porque esta não podia residir na mente e no coração do povo que tinha abraçado o cristianismo.
Cf. A palavra fogo + Fogo (habitação): origem + Origem da palavra fogo, outra vez.