1. A omnipresença nefasta do vírus SARS-CoV-2, que ameaça a existência real da humanidade, não deixa de se manifestar virtualmente nas conversas quotidianas ou nas notícias que chegam insistentemente às nossas casas. Este assunto passou a ser quase único, o que tem gerado, no plano linguístico, a ativação de léxico adormecido (ou até agora usado em contextos muito circunscritos), a criação de novas palavras, a extensão semântica de várias outras ou a formação de campos lexicais até ao momento inexistentes ou pouco prováveis. O Ciberdúvidas tem acompanhado atentamente esta dinâmica linguística e tem vindo a esclarecer, em diferentes aberturas, significados de palavras, contextos de uso e as suas formas corretas. Este trabalho conduziu à compilação de um documento (que se encontra em constante atualização) que reúne em A covid-19 na língua, contemplando diversas áreas que têm vindo a ser referidas na atualidade mediática, e que envolvem conceitos da área médica, da economia, da política, da estatística, da educação e da comunicação social, entre outras. Uma realidade complexa que aglutina inúmeros domínios do saber e que, portanto, convoca léxico específico, cujos significados e contextos de uso importa conhecer para compreender a estranha realidade que vivemos, sempre com a convicção de que o futuro que se avizinha poderá significar o retorno à nossa antiga forma de vida e ao nosso modo de sermos humanos.
Ainda no âmbito das expressões usadas com frequência, uma vez que a comunicação não presencial vai sendo uma constante, recordamos que deve dizer-se «a pessoa x fala-nos de sua casa» (e não «*desde sua casa» ou «*a partir de sua casa») e «a pessoa y dá aulas/trabalha em sua casa» (e não «*a partir de casa»).
A este propósito, recordemos as respostas «Disparatado desde», «... do estádio» e não "desde" o estádio...» e «A construção «desde... até...» com sentido temporal».
2. No século XVI, uma doença desconhecida espalhou-se pelas Ilhas Molucas, passando das galinhas para os humanos. Este mal converteu-se numa epidemia que vitimou, de forma nunca vista, inúmeros habitantes das ilhas: «E por toda a terra era este mal tão geral que os não podiam enterrar e o mar era coalhado dos mortos e muitos lugares despovoados; andavam os homens e mulheres como pasmados, dizendo que nunca tal viram nem ouviram aos antepassados», conta-nos o autor do Tratado das ilhas Maluco e dos constumes índios e tudo o mais (texto geralmente atribuído a António Galvão, governador português das Ilhas Molucas entre 1536 e 1540). Este é um texto que, cinco séculos depois, nos recorda a importância e a eficácia do isolamento no controlo da propagação das doenças desta natureza. Com efeito, na altura, a disseminação da infeção não atingiu outros países dado o isolamento das ilhas e a falta de vento, que impediu a chegada de comerciantes de especiarias. Nos dias de hoje, a facilidade de viajar para diferentes pontos do planeta, independentemente da sua distância ou dos ventos, permitiu que a infeção pelo novo coronavírus se convertesse numa pandemia, chegando a quase todo o lado. Por isso, resta-nos aprender com a experiência dos nossos antepassados: ontem como hoje, o isolamento é profilático e pode salvar vidas (leia-se o texto que apresenta a obras e as conclusões que esta suscitou em O Nosso idioma – um original da agência Lusa aqui transcrito com a devida vénia).
3. Um destaque, ainda, para o importante trabalho que, em Portugal, tem vindo a ser desenvolvido pelos intérpretes para língua gestual portuguesa que têm acompanhado todas as comunicações oficiais dos vários organismos do governo ou da presidência da República transmitidas pelos canais televisivos. Um verdeiro serviço público que permite à comunidade surda acompanhar de modo informado a evolução da situação, com destaque neste trabalho publicado no Diário de Notícias.
4. Os programas produzidos pela Associação Ciberdúvidas para a rádio pública portuguesa são inteiramente dedicados à linguista e professora universitária Maria Helena Mira Mateus, recentemente falecida. No Língua de Todos, divulga-se um extrato de uma antiga entrevista dada a propósito da pluralidade linguística dos alunos do ensino básico na zona da Grande Lisboa (RDP África, na sexta-feira, dia 3 de abril, pelas 13h20*). O Página de Português recupera também uma entrevista que a professora deu a propósito do lançamento da sua autobiografia Uma vida cheia de palavras (aqui apresentado) (Antena 2, no domingo, 5 de abril, pelas 12h30**). Ambos os programas contarão ainda com depoimentos sobre Maria Helena Mira Mateus.
5. Como foi referido na Abertura de 27/03/2020, o Consultório do Ciberdúvidas faz uma pausa coincidente (em condições normais) com a das atividades escolares em Portugal durante o período da Páscoa *. O regresso às atualizações está marcado para 15 de abril p. f. Até lá, fica desativado o acesso ao formulário para envio de perguntas, mas, para assuntos que não digam respeito a dúvidas linguísticas, mantêm-se disponíveis os contactos habituais. E, como sempre, temas da atualidade ficarão devidamente assinalados nos Destaques e na nossa página do Facebook.
*O programa Língua de Todos será repetido no sábado, dia 4 de abril, depois do noticiário das 09h00.
**O Páginas de Português tem repetição no sábado, dia 11 de abril, às 15h30.
Hora oficial de Portugal continental, ficando ambos os programas disponíveis posteriormente aqui e aqui.