«E o que dizer da expressão "já agora", tão usada pelos portugueses? Os conservadores dirão que já e agora são sinônimos, logo trata-se de pleonasmo.»
Um dos chamados vícios de linguagem mais condenados pelos gramáticos normativos é a chamada redundância, também conhecida como pleonasmo. Sem dúvida, casos como «subir para cima» ou «descer para baixo» são inadmissíveis, mas os próprios gramáticos admitem que, por razões de expressividade, certos casos se justificam, como quando os advérbios cima e baixo aparecem modificados por outro advérbio: «Sobe lá em cima no telhado e ajusta a antena para mim.»
A redundância nem sempre é nociva à comunicação – pelo contrário, a maior parte dos nossos enunciados contém várias redundâncias justamente para garantir a eficácia da comunicação em face do ruído. E, em teoria da comunicação, ruído não é só o barulho que atrapalha nossa audição nas comunicações orais, mas qualquer fenômeno, físico ou mental, como distração, cansaço, uma palavra desconhecida ou mal pronunciada, ou ainda um erro de impressão ou um borrão no papel, que possa interferir na apreensão do que foi ouvido ou lido.
Numa frase simples como «as crianças estão brincando felizes», a marca de plural aparece redundantemente quatro vezes. Já em «as criança tá brincando feliz», aparece uma única vez. É mais fácil perceber que a frase se refere a mais de uma criança na primeira versão do que na segunda, não? Esse é o efeito positivo da redundância.
Mas existem redundâncias combatidas pelos gramáticos que estão cristalizadas na língua e são profundamente expressivas. Por exemplo, há quem condene «até mesmo» dizendo que ou se usa até ou se usa mesmo, jamais ambos juntos. Só que «até mesmo» é, pelo menos a meu ver, mais enfático que até ou mesmo isolados.
O mesmo se pode dizer de «nem mesmo» (ou «nem sequer»), que alguns professores mais puristas condenam afirmando que nem já exprime a ideia de negação enfática por oposição a não, que seria uma negação neutra. Compare: «ele não tocou na comida» x «ele nem tocou na comida». Só que os advérbios mesmo e sequer exigem a presença de nem, pois «não mesmo» e sobretudo «não sequer» seriam agramaticais: *«ele não mesmo tocou na comida!», *«ele não sequer tocou na comida».
E o que dizer da expressão «já agora», tão usada pelos portugueses? Os conservadores dirão que já e agora são sinônimos, logo trata-se de pleonasmo. E «mas porém», expressão usada até por Camões n’Os Lusíadas? Se lembrarmos que porém, além de conjunção adversativa equivalente a mas, é também, segundo a gramática clássica, um advérbio da mesma esfera de significado de contudo, entretanto, etc., então «mas porém» equivale a «mas contudo», «mas no entanto», formas perfeitamente abonadas.
Outra redundância combatida é «já não mais», que, segundo os normativistas, é a junção indevida de «já não» com «não mais»: «a casa em que nasci já não existe»; «a casa em que nasci não existe mais». Só que Lima Barreto, o grande Lima Barreto, em seu prefácio a Histórias e sonhos, diz: «Já não sou mais menino e, desde que me meti nessas coisas de letras, foi com toda a decisão, sinceridade e firme desejo de ir até ao fim.» É claro que os grandes escritores também cometem erros de português – ou melhor, aquilo que os gramáticos consideram erro de português, até porque os grandes escritores estão mais preocupados com a força e a expressividade de suas palavras na produção do efeito estético do que na obediência à norma-padrão. E, ironicamente, são os grandes escritores, integrantes do chamado cânone literário, que os gramáticos elegem como corpus no qual baseiam suas lições.
Um último exemplo é «outra alternativa», expressão comum em frases como «não tive outra alternativa senão pedir um empréstimo». Dizem os normativistas que a palavra alternativa já contém outra, o que de fato é verdade, visto que alter em latim quer dizer «o outro (dentre dois)». Nesse caso, recomendam em lugar de «outra alternativa» simplesmente «alternativa» («não tive alternativa senão…») ou então «outra opção», «outra escolha» («não tive outra escolha senão…»). O argumento é que só se deve empregar a palavra alternativa quando há duas e somente duas opções possíveis. Havendo mais de duas, trata-se de opções ou escolhas, não de alternativas. Só que os próprios professores de português, nos testes de múltipla escolha que aplicam a seus alunos, oferecem cinco opções de resposta a uma questão, a quinta delas sendo «nenhuma das alternativas anteriores».
Resta aos gramáticos e professores puristas entender que existe uma força na língua que se sobrepõe a todas as outras: a força do uso. E aquilo que é muito usado acaba, cedo ou tarde, consolidando-se como norma e tendo de ser aceito pelos legisladores da língua culta.