Toda a gente tem duas ou três palavras que não aprecia por aí além, porque as acha deselegantes, de mau tom e pior som. Eu tenho uma longa lista. Só de repente, lembro-me de requeiro, caberão, compito, compila e cômputo, cujo, blinda, brioche e broche, adição, vi-vos e fá-lo, eslovaca, xaputa e disputa, pariu e podido. Umas percebo porquê, outras nem por isso. Mas longe de mim querer bani-las. De que outra forma poderia dizer «Requeiro uma xaputa e um brioche»?, ou «Eu compito em disputa pelo primeiro lugar, mas caberão três pessoas no pódio», ou «Fá-lo tu, que eu não tenho podido»? Há, no entanto, outras palavras e expressões comummente (gosto de «comummente») usadas na língua portuguesa que me põem o sangue a ferver – porque são disparates. E às vezes disparates sancionados por dicionários (os linguistas rendem-se muitas vezes às massas). E hei de bater-me até ao fim dos meus dias para os fazer desaparecer. Aqui e ali, com a ajuda do Ciberdúvidas, o segundo melhor site português (depois da Visão, claro).
10. Norte-americano
Não, o país não se chama Estados Unidos da América do Norte. Chama-se Estados Unidos da América. Logo, o seu povo é americano. Ou estado-unidense, para os puristas. Norte-americanos são os naturais ou habitantes do subcontinente América do Norte. «Ah, e tal, mas americanos também são os brasileiros e os chilenos!» Sim? Então digam-me uma vez em que tenha sido ambígua a frase «os americanos bombardearam mais um país acabado em ‘ão'”». Uma vez que seja que alguém tenha dito isto e o interlocutor tenha ficado efetivamente na dúvida e perguntado «quais americanos? Os equatorianos?». Aliás, quem é que, numa conversa de amigos ao jantar, diz «cá para mim o Trump vai mesmo ser o Presidente norte-americano», sem, de seguida, levar um carolo? Honestamente: quem? Além disso, se há 15 países sul-americanos, há 23 norte-americanos (a América Central é uma região da América do Norte, não um subcontinente). Portanto, escrever «norte-americano» não resolve dúvida nenhuma. Só cria. Já agora, as mesmas pessoas que escrevem “norte-americano” escrevem “afro-americano”. Por uma questão de coerência, não deviam escrever “afro-norte-americano”? Dito isto, O PAÍS NÃO SE CHAMA ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA DO NORTE!
Cf. América e americanos (II) + Americano, estadunidense ou norte-americano? As disputas sobre o uso do termo para nascidos nos EUA
9. Perca
A não ser que seja para usar na frase «espero que o Sporting perca, "perca” é um peixe. «Perca de peso» é, portanto, um peixe gordo.
8. Copo com água
O preferido dos chicos-espertos. A prova mais imediata de que a língua é o primeiro veículo da presunção.
«Quero um copo de água, se faz favor.»
«Ah, e tal, quer um copo de água ou um copo com água? É que o copo é feito de vidro. Eh eh.»
«Caro senhor, quando peço um copo de água, a palavra que está subentendida é "cheio", não “feito”.»
«O que é que quer dizer subentendida?»
«Esqueça. Ia demorar muito tempo a explicar. Voltando ao essencial, também pede (como exemplifica o Ciberdúvidas) uma chávena com chá ou um maço com tabaco? É que o maço não é feito de tabaco, pois não? Pois não?»
«A torneira está avariada. Se quer água, compre uma garrafa. De água.»
7. Para além disso
Ou é além de ou para lá de. Este é o terceiro dente da forquilha pleonástica do diabo: «Para além disso, há uns anos atrás subi para cima.»
6. Costa de Caparica
Da! Da! Qual de?! Essa é outra moda relativamente recente, de gente que acha que assim é que se fala bem. Mas é ilegal dizer Costa de Caparica! Bom, não sei se posso dizer que é ilegal, mas o decreto que criou a freguesia da Costa da Caparica, em 1949, chamou-lhe, precisamente, Costa da Caparica. Fim de discussão. Por uma vez que seja, a lei está do meu lado.
Cf. Costa de Caparica e Costa da Caparica
5. Entre 10 a 20
Repitam comigo: de 10 a 20 MAS entre 10 e 20. De 10 a 20 MAS entre 10 e 20. Só isso. Não tenho nada a acrescentar.
4. Literalmente
Uma das minhas palavras preferidas, mas que se tornou um ódio de estimação – por causa do seguinte:
«Ah, e tal, estou literalmente morto de cansaço.»
«Estás mesmo? Então como é que consegues falar? Os mortos não falam.»
«Eu não queria dizer literalmente literalmente. Queria dizer só literalmente.»
«Querias dizer metaforicamente, então?»
«Mas se eu disser metaforicamente, as pessoas vão achar que eu não estou morto de cansaço.»
«E não estás. Estás vivo.»
«Mas há dicionários que já admitem o literalmente como forma de reforçar uma ideia. Pumba! Toma lá que já almoçaste, literalmente.»
«Primeiro, literalmente ainda não almocei. Segundo, pede lá ajuda a esses dicionários para resolver esta: ‘Um viajante percorreu literalmente milhares de quilómetros a pé.’ O que é que eu acabei de dizer? Ele caminhou mesmo milhares de quilómetros? Ou estou só a dizer que ele andou muito?»
«És literalmente parvo.»
«Não tens nada que agradecer.»
Cf. O uso e a moda do advérbio literalmente
3. Bilião
Bilião existe, sim, mas não é o mesmo que em inglês. Billion é mil milhões. Um bilião dos nossos é um trillion dos deles. «Ah, e tal, mas os brasileiros traduzem billion para bilhão.» É verdade. E se calhar eles é que fazem bem. Mas a culpa não é minha. A língua já aqui estava quando eu nasci. Queixem-se ao Camões.
Cf. Quanto é um bilião em Portugal?
2. Solarengo
Mais uma asneira reconhecida por alguns dicionários. Mas é uma excelente forma de nos ajudar a separar o trigo do joio: abra o calhamaço na letra S, dedilhe até solarengo e, se encontrar a definição «Que tem sol; que é iluminado pelo sol; que está exposto à luz e ao calor solar», fica a saber que tem nas mãos uma excelente acendalha. Pode dar jeito para acender a lareira do solar, naqueles dias menos soalheiros.
Cf. Solarengo dif. de soalheiro/ensolarado
1. Ah, e tal
Nunca – nunca! – alguém soltou «Ah, e tal, vou ali comprar a Visão.» Mas toda a gente se lembra de alguém que disse «ah, e tal». É o arquétipo da expressão órfã da língua portuguesa: é das mais usadas, mas ninguém a usa.
Cf. ‘À muito tempo que não te via’, ‘hades’ cá vir. Estamos a dar mais erros de português?
Texto do jornalista Luís Ribeiro transcrito, com a devida vénia, da revista Visão do dia 2 de maio de 2016.