1. Por todo o mundo, é difícil fugir ao mesmo assunto: a pandemia da covid-19, que, em Portugal, entrou na chamada «fase de mitigação», conforme declaração da Direção-Geral de Saúde (DGS). Pelo uso de mitigação, que significa «alívio», poderia julgar-se que a covid-19 recuou entre a população portuguesa, mas infelizmente a DGS esclarece que «a fase de mitigação é a terceira e a mais grave fase de resposta à doença covid-19 e é ativada quando há transmissão local, em ambiente fechado, e/ou transmissão comunitária». Mas não haverá aqui um uso impróprio do termo? Na rubrica O nosso idioma, a linguista Carla Marques, consultora permanente do Ciberdúvidas, mostra que a denominação não é contraditória.
2. O Consultório faz eco do impacto da covid-19 no quotidiano de quem acompanha o Ciberdúvidas: comenta-se a locução «(estar/ficar) de quarentena»; a propósito de desinfeção e higiene, fala-se do plural e da grafia das formas «álcool-gel» e «álcool gel», equivalentes a «álcool em gel»; e da construção «testar positivo/negativo», que os padrões léxico-semânticos e morfossintáticos do português podem pôr em causa. Entretanto, em confinamento doméstico, professores e alunos enviam perguntas mais técnicas: a respeito da seleção de modos verbais nas orações relativas; sobre o contraste entre o Brasil e Portugal quanto à escrita de porque e por que em frases interrogativas; acerca da eventual relação de um modificador do nome com um predicativo do sujeito.
3. Com as sombrias perspetivas do atual cenário de pandemia, é recorrente falar-se em guerra, como bem ilustram os títulos «No mundo, líderes adotam discursos de guerra contra pandemia» (O Tempo, 23/03/2020) ou «Covid-19: o secretário-geral da ONU, António Guterres, defende "economia de guerra"» (Euronews, 26/03/2020). E, na Europa, regressam velhos preconceitos à cena política – a propósito da reunião informal do Conselho da Europa de 26/05/2020 *; por reação, sente-se,o desejo de, um dia, se abrirem todas as portas e janelas, reais ou imaginárias. À volta das palavras guerra e e janela, sugere-se, ainda na rubrica O nosso idioma, dois apontamentos etimológicos da autoria de João Nogueira da Costa. Do mesmo autor é também um pequeno artigo dedicado às maneiras de se dizer «gratificação» em diferentes línguas.
*Cf. "Costa considera discurso de ministro holandês "repugnante" e anti-União Europeia" (Público, 27/03/2020)
Na imagem, à esquerda, Janela 17 (1981), de Maluda (1934-1999).
4. Entretanto, os governos não deixam de tomar medidas para conter a crise económica que se desenha. Tendo como pano de fundo uma conversa telefónica entre Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e Xi Jinping, presidente da China, o G20 (o grupo constituído por 19 países e pela União Europeia), «disse que injetaria 5 "triliões" de dólares na economia global para combater a pandemia», conforme se lê numa notícia do jornal português Diário de Notícias (27/03/2020). Sabendo que todo o cuidado é pouco com os termos bilião e trilião, porque, em português, não significam eles o mesmo que em inglês, da consulta da notícia em versão anglo-saxónica infere-se haver equívoco da publicação portuguesa. Na verdade, se a agência Reuters pode dizer que o G20 tenciona injetar 5 "triliões" na economia mundial – «G20 Leaders to Inject $5 Trillion Into Global Economy in Fight Against Coronavirus» (fonte: The New York Times, 26/03/2020) –, espera-se que um jornal de Portugal anuncie uma promessa de ajuda que orça os 5 biliões, conforme se pode confirmar em "'O bilião e a nomenclatura dos grandes números: regra “N” e regra “n –1” , um artigo de Guilherme de Almeida (rubrica O nosso idioma, sub-rubrica Ciência e Tecnologia).
5. Uma sugestão de leitura: o depoimento de quem encontrou pela frente o desafio de aprender português e, com esforço, é certo, teve a abertura de alma e espírito para o adotar no dia a dia. Justifica-se, portanto aqui o registo da experiência relatada pela pianista Mariana Dellalyan, uma arménia radicada em Portugal, em texto intitulado "Como eu aprendi, e continuo a prender, todos os dias o português", disponível no blogue Certas Palavras, do tradutor, escritor e divulgador de temas linguísticos Marco Neves.
6. A Ciberescola/Cibercursos da Língua Portuguesa, projeto desenvolvido no âmbito de um protocolo da Associação Ciberdúvidas com a Direção-Geral de Educação (Ministério da Educação de Portugal), encontra-se disponível ao utilizador comum, com todos os seus materiais de Português como Língua não Materna (PLNM) e Português como Língua Estrangeira (PLE). Mais informação nas Notícias.
7. No Dia Mundial do Teatro, a imposição do isolamento é a (quase) negação de qualquer arte performativa pela falta da presença do público. Mas não seja por isso que não se celebram a data. Por exemplo, em Portugal, ocorrem várias iniciativas no mundo virtual:
– O Teatro do Noroeste-Centro Dramático de Viana oferece peças de teatro para os mais novos, tendo já acessíveis Antes de Começar, A vida trágica de Carlota, A filha da Engomadeira, Bojador ou João e o Pé de Feijão, entre outros.
– na sala virtual do Teatro Municipal Joaquim Benite, em Almada, pode assistir-se, às 21h00, a O Mandarim, a partir do conto homónimo de Eça de Queirós;
– no Teatro Nacional de São João, no Porto, disponibilizam-se quatro peças de Alfred Jarry: depois de Rei Ubu (foi no dia 25), Ubu Agrilhoado (no dia 26), apresentam-se Ubu Cornudo (dia 27) e Ubu no Outeiro, (dia 28);
– na sala online do Teatro Nacional de D. Maria II, em Lisboa, divulgam-se espetáculos: A origem das espécies (às 11h), Sopro (às 21h); e, no dia 28 de março, será a vez de Frei Luís de Sousa (às 21h).
8. Outras sugestões em modo virtual:
– Visitas a museus portugueses: Museu Nacional dos Coches, Museu RTP, Museu Nacional de História Natural e da Ciência, Museu Calouste Gulbenkian (note-se, aliás, que museus do mundo inteiro podem ser visitados virtualmente a partir do Google Arts & Company );
– Música: Miguel Araújo canta canções de embalar (para a sua filha) todas as noites no Facebook; Festival, festival que decorre entre 27 de março e 1 de abril, com a participação de mais de 80 artistas de 11 nacionalidades diferentes, que é transmitido em linha, a partir de seis países, nas áreas de música e teatro na página do Facebook da iniciativa.
– Cinema: a Agência da Curta Metragem disponibiliza filmes curtos do seu catálogo: Viagem a Cabo Verde, animação de José Miguel Ribeiro; Água Mole, de Alexandra Ramires (Xá) e Laura Gonçalves; e Versailles, de Carlos Conceição, entre outros (mais informação e sugestões no Plano Nacional de Cinema).
9. Outra efeméride: foi a de 26 de março de 1487 que foi impresso o primeiro livro em Portugal – curiosamente um livro em hebraico, o Pentateuco, saído das oficinas de Samuel Gacon, em Faro – e que assinala oDia do Livro Português, por uma iniciativa da Sociedade Portuguesa de Autores.
10. Temas centrais dos programas que a Associação Ciberdúvidas da Língua Portuguesa produz para a rádio pública portuguesa: no Língua de Todos, transmitido pela RDP África, na sexta-feira, dia 27 de março, pelas 13h20*, Margarita Correia, linguista, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), fala sobre a situação do português na Guiné-Equatorial no contexto da CPLP; e, no Página de Português, emitido pela Antena 2, no domingo, 29 de março, pelas 12h30*, o Projeto Read On Portugal, criado para apoio da entre jovens europeus, é explicado por João Paulo Proença, seu coordenador.
11. Com a Páscoa *, o Ciberdúvidas faz uma pausa coincidente (em condições normais) com a das atividades escolares em Portugal. O regresso às atualizações está marcado para 15 de abril p. f. Até lá, fica desativado o acesso ao formulário para envio de perguntas, mas, para assuntos que não digam respeito a dúvidas linguísticas, mantêm-se disponíveis os contactos habituais. E, como sempre, temas da atualidade ficarão devidamente assinalados nos Destaques e na nossa página do Facebook.
*A palavra Páscoa vem do latim vulgar pascua, que significa “alimento (pasto)”, sentido que se associa ao facto de a Páscoa ser o momento que põe fim ao tempo de jejum que marca a Quaresma. A palavra latina teve origem no hebreu pasach (“passagem”), designação dada à comemoração judaica que evocava a fuga do Egito pelo povo de Israel e que tinha lugar na altura da crucificação de Jesus. Esta designação terá servido de inspiração para o nome da festa cristã que celebra a Ressurreição de Jesus Cristo.