DÚVIDAS

Predicativo do sujeito e modificador restritivo do nome

Gostaria que me esclarecessem, por favor, a seguintes dúvidas, por falta de consenso, sobre a análise sintática [dos constituintes] da frase seguinte: «A lua é como barca perdida.»

«barca perdida» –- predicativo do sujeito; «perdida» – modificador restritivo do nome. [...]

Tenho pesquisado em diferentes fontes linguísticas e não encontrei um único exemplo semelhante que me convença que «perdida» é um '«modificador restritivo do nome» inserido no predicativo do sujeito «como barca perdida».

Se o predicativo do sujeito é uma função sintática interna ao grupo verbal e que pode ser desempenhada por um grupo nominal, cujo núcleo do grupo é um nome, que o define, sendo neste caso «barca», e se o predicativo do sujeito está relacionado com o sujeito e completa o sentido do verbo copulativo ser, por que razão o segmento «barca perdida» não é apenas predicativo do sujeito, dado que predica a «A lua»?

Por outro lado, «barca perdida» está antecedida por «como», que introduz o segundo termo de comparação nesta frase. Então a «lua» é comparada a «barca perdida». Caso «perdida» seja um modificador restritivo do nome, restringe [o] quê, «barca»?

Se omitirmos o hipotético modificador restritivo do nome, o sentido do grupo nominal fica completo sem este? Considero que não! A frase fica agramatical: «A lua é como barca.» O modificador não é selecionado pelo nome «barca», pelo que [«perdida»] não pode ser um modificador restritivo do nome, ao contrário do complemento do nome, que é selecionado por um nome.

Por último, será que «perdida» é modificador restritivo do nome de «A lua», dado que completa o sentido do verbo copulativo ser e está relacionado com o sujeito «A lua»? Julgo que não! Mais uma vez a frase fica sem sentido: «A lua é como perdida.»

Face ao exposto, considero que os elementos da expressão «como lua perdida» são indissociáveis e, por isso, constituem o predicativo do sujeito de «A lua». [...]

Obrigada.

Resposta

A construção apresentada é uma frase copulativa que é composta por um constituinte com a função sintática de sujeito («A lua»), por um verbo copulativo («é») e por um predicativo do sujeito («como barca perdida»).

O constituinte com função de predicativo de sujeito tem a particularidade de ter o seu conteúdo semântico veiculado por uma oração comparativa que introduz na frase um valor semântico de semelhança. Esta função sintática comprova-se pelo facto de o mesmo espaço sintático poder ser preenchido por um grupo nominal (1) ou por um adjetivo (2):

(1) «A lua é um satélite

(2) «A lua é grande

Relativamente ao constituinte «como barca perdida», verificamos que estamos perante uma oração comparativa caracterizada pela elipse do verbo («como barca perdida é»)1. Trata-se, portanto, de um constituinte marginal na formação do predicativo do sujeito. Não obstante, é uma opção válida, como o é o preenchimento desta função por um sintagma preposicional, o que acontece em (3):

(3) «O João é do meu ano2

Quanto à função sintática desempenhada pelo constituinte «perdida», é importante recordar, antes de mais, que as funções sintáticas operam em planos distintos: ao nível da frase, ao nível do predicado e ao nível do sintagma. Isto significa que os constituintes se relacionam com um elemento nuclear gerando função em cada um dos níveis que funcionam e que, num nível superior, será o constituinte, como um todo, que se relacionará com outro elemento nuclear gerando igualmente função.

No caso particular da frase em apreço, existe função dentro do sintagma nominal «[como] barca perdida», uma vez que o nome barca funciona como elemento nuclear sobre o qual incide o adjetivo perdida, que assume a função de modificador do nome restritivo. Já no plano do predicado encontra-se o constituinte «como barca perdida», que, como um todo, se relaciona com o núcleo verbal (embora semanticamente incida / predique sobre o sujeito), desempenhando a função de predicativo do sujeito, como atrás se disse. 

A representação dos níveis de funcionamento dos constituintes fica aqui representada por parenteses retos:

(4) «[A lua] [[é] [como [barca [perdida]]]].»

Disponha sempre!

 

1. Note-se que, em termos semânticos, se trata de uma comparação vaga, que convoca uma inferência para identificar o traço que se identifica entre «A lua» e a «barca perdida», que poderia, por exemplo, ser hesitante: «A lua é hesitante como barca perdida (é)».)

2. A este propósito, ver também esta resposta.

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