1. Está na berra: é o Pokémon Go, ou simplesmente Pokémon1, jogo de «realidade aumentada» (combinação do mundo físico e do mundo digital) que, também em Portugal, provoca o delírio entre os mais jovens. Como denominação de marca comercial ou título de série televisiva e videojogo, é nome próprio e escreve-se Pokémon, com maiúscula inicial. Mas, para referir as personagenzinhas virtualmente capturáveis, poderemos escrever "pokémon" – «um pokémon» –, com minúscula inicial e um k2? Sim, se acharmos que «um pokémon» surge por derivação – ainda que imprópria (isto é, sem envolver a adjunção de sufixos ou prefixos); e, assim sendo, aceita-se o k, apesar de ser letra do alfabeto português que tem várias restrições3. Não obstante, no desejável aportuguesamento, há potencialmente várias soluções concorrentes, ainda à espera do uso e do arbítrio dos falantes: "poquémon" e "poquemom", ou, testando limites, "poquemão"4. Refira-se ainda a truncação poké- ou poke- (com e sem acento), que, em questão de poucos dias, se tornou bastante produtiva, imitando outras línguas (incluindo inevitavelmente o inglês), quando aparece agora à maneira de prefixo: "pokébola", "pokémania". Neste último caso, aconselhar-se-ia o aportuguesamento ("poque-": "poquebola", "poquemania"), com a desvantagem de a relação com a marca em causa perder transparência. A verdade é que estamos no domínio da moda e, portanto, do efémero, onde grafismos e logótipos internacionais fazem tábua rasa das convenções ortográficas nacionais. Saibamos esperar pelo eventual enraizamento das formas mencionadas na língua que falamos e escrevemos. E, entretanto, ouçamos o apontamento que, com o título "A caça aos Pokémons, os gambozinos modernos", o jornalista João Paulo Guerra dedicou a este tema na rubrica O Fio da Meada, transmitida em Portugal pela Antena 1.
1 Observa o nosso consultor D'Silvas Filho que o uso do k em nomes próprios estrangeiros, tal como dispõem e descrevem as normas de 1945 e de 1990, se limita a antropónimos e topónimos, pelo que considera que se deve escrever Pokémon em itálico ou entre aspas, para assinalar a sua condição de estrangeirismo, e aportuguesá-lo como poquémon, quando ocorre como nome comum. Ver a rubrica Controvérsias para aceder ao parecer completo deste consultor.
2 Pokémon é nome de uma marca e corresponde à amálgama da expressão japonesa poketto monsuta, adaptação do inglês pocket monsters, ou seja, «monstros de bolso» (ver artigo da Wikipédia).
3 O k, como o w e o y, continua a ter restrições, mesmo com a norma ortográfica de 1990. Entre as situações de uso destas letras, conta-se a dos derivados de nomes próprios estrangeiros. Por exemplo, o adjetivo newtoniano mantém a grafia estrangeira do nome donde deriva – Newton; e, se pokémon for tratado como derivado do nome próprio Pokémon, então, poderá conservar o k. Acontece, porém, que, quer na norma de 1945 quer na de 1990 (o mesmo acontece na norma brasileira de 1943), se apresentam apenas exemplos de derivados afixais de nomes estrangeiros, formados pela adjunção de material morfológico. No caso, de Pokémon/pokémon, não ocorre nenhuma adjunção, e, portanto, a legitimidade ortográfica de pokémon pode ser posta em causa. Mas, se considerarmos que pokémon é grafia aceitável em português, daremos a devida relevância ao acento e interpretaremos a sequência como um palavra grave. Quanto ao plural, este poderá ser pokémons; recorde-se, porém, que em Portugal, as palavras graves terminadas em -n (como cólon ou plâncton), fazem o plural em -es (cólones, plânctones), e, portanto, na perspetiva do português lusitano, a forma pokémones estará correta. Refira-se, por último, que, acerca do seu uso em inglês, se tem dito que o plural Pokémon não se distingue do singular, ou seja, a palavra em inglês não tem forma de plural; contudo, em português, o tratamento de Pokémon como nome invariável não parece ser seguido pelos falantes e revela-se problemático.
4 Os aportuguesamentos "poquémon", "poquemom" e "poquemão" teriam, respetivamente, os plurais "poquémones" (ou "poquémons" – cf. nota 2), "poquemons" e "poquemões". Dirigindo o olhar para línguas-irmãs do português, refira-se que, em espanhol, se recomenda a forma pokemon, com minúscula inicial e sem acento gráfico (ver recomendação da Fundación para el Español Urgente – Fundéu-BBVA). Note-se, porém, que a ortografia espanhola legitima o uso de letras que não façam parte da escrita mais tradicional, como é o caso de k e w.
2. Assinalam-se neste dia os 60 anos da existência da Fundação Calouste Gulbenkian, a mais importante instituição cultural em Portugal, no âmbito das artes, da beneficência, da ciência e da educação. Criada por testamento do benemérito de origem arrménia Calouste Sarkis Gulbenkian, o seu apelido ainda hoje é frequentemente mal pronunciado na rádio e na televisão: "Gulbênkian", em vez de /Gulbenkiã/. Um desleixo tão mais imerecido quanto o seu legado tanto tem beneficiado a língua portuguesa. É o caso da edição da Gramática do Português, a mais recentemente publicada no país, ou, muito antes, do decisivo apoio financeiro para a publicação do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa. Ou, ainda, dos múltiplos e diversificados debates, conferências, seminários e outros projetos relacionados com a língua, sob sua chancela.
3. Ainda da atualidade, registe-se que da visita-relâmpago a Lisboa do presidente francês, François Hollande – encurtada por causa do atentado em Nice, em 14 p. p. –, nada transpirou sobre o alargamento da presença do ensino de português no seu país, para o qual ele se comprometera no discurso proferido, aquando da celebração do 10 de Junho, em Paris. Nem, tão-pouco, quanto às reuniões, para esse efeito, do grupo técnico luso-francês, anunciado, na mesma cerimónia, pelo primeiro-ministro português, António Costa.
4. A propósito ainda dos trágicos acontecimentos ocorridos em Nice, em 14 de julho p. p. e, depois, num comboio, na Alemanha, deixamos no Pelourinho um apontamento do nosso consultor Filipe Carvalho, assinalando o equívoco que, em Portugal, se gerou entre os termos atentado e ataque.
5. Já na rubrica Diversidades, voltamos ao contraste dos adjetivos emotivo e emocionante, desta feita no âmbito das línguas planeadas, com um contributo de outro nosso consultor, Miguel Faria de Bastos. Nele se evidencia como o esperanto evita a ambiguidade semântica. Também do mesmo consultor, fica disponível nas Controvérsias a resposta publicada no jornal Público em 18/07/2016, em discordância com o artigo "A torre de Babel da União Europeia, sem o Reino Unido. E agora?”, assinado por António Bagão Félix, no mesmo jornal, em 5/07/2016.
6. Na rubrica Ensino, divulga-se o diagnóstico que o poeta e professor português António Carlos Cortez faz no jornal Público (18/07/2016), a respeito dos exames de Português do 12.º ano – a situação parece preocupante (mantém-se a ortografia do original): «[...] as respostas dos alunos são verdadeiros labirintos sintácticos: os alunos não dominam a subordinação, colocam a partícula “que” a propósito de tudo e de nada, usam lugares-comuns retirados da gíria futebolística [...], sem esquecer o léxico incipiente, até mesmo infantil [...]. [D]esconhecem-se as regras da acentuação e não estão consolidados quer a estrutura do parágrafo, quer o uso do hífen, quer ainda as regras de colocação de vírgulas e pontos finais (a vírgula entre sujeito e predicado é erro comum e reiterado).»
7. Algumas respostas ainda aguardam publicação, e, por isso, neste dia, ficam disponíveis as correspondentes às seguintes perguntas:
– Falando de uma cantora, diz-se sempre «a soprano», ou é também aceitável «o soprano»?
– Se a Odisseia conta as aventuras de Ulisses, porque não se chama esta obra "Ulisseia"?
– Se um líquido toma a forma do recipiente em que se encontra, será que, em referência a esse fenómeno, podemos empregar os verbos adequar e adquirir?
– Em Portugal, muito se tem lido acerca da mental coach do jogador de futebol Éder. Não haverá sinónimo vernáculo deste anglicismo?
8. Temas dos programas produzidos pelo Ciberdúvidas na rádio pública portuguesa:
– Qual é a atual situação da língua portuguesa em Moçambique? Que desafios atravessa e que futuro tem ela no mundo? É este o tema em foco numa conversa com o professor Lourenço do Rosário (reitor da Universidade Politécnica de Maputo), no Língua de Todos de sexta-feira, 22 de julho (às 13h15*, na RDP África; com repetição no sábado, 23 de julho, depois do noticiário das 9h00*).
– Ao contrário do que se vê noutras línguas, não é ainda frequente a adaptação de obras da literatura portuguesa como estratégia de aprendizagem do Português como Língua Estrangeira (PLE) – mas algo parece estar a mudar. No Páginas de Português de domingo, 24 de julho (Antena 2, às 12h30*, com repetição no sábado seguinte às 15h30*), é entrevistada Ana Sousa Martins, coordenadora da Ciberescola e autora de recentes adaptações de três clássicos: A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós; Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco; e Peregrinação, de Fernão Mendes Pinto.
9. Como anteriormente anunciado, o consultório está fechado até ao próximo mês de setembro. Não deixaremos, mesmo assim, de disponibilizar novos conteúdos nas demais rubricas, sempre que o interesse e a atualidade o impuserem. Entretanto, para assuntos fora do âmbito do esclarecimento de dúvidas, fica o contacto pelo endereço eletrónico habitual: aqui.