Emocionante ≠ emotivo... em esperanto - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Início Outros Diversidades Artigo
Emocionante ≠ emotivo... em esperanto
Emocionanteemotivo... em esperanto

A questão da diferença de significado entre as palavras emocionante e emotivo, tratada com muita propriedade aqui no Ciberdúvidas,  transporta-me, entre o mais, por comparação, à língua veicular internacional Esperanto, que bebe quase tudo das línguas indo-europeias  (mormente Latim e românicas) mas é semanticamente rigorosa nas desinênciasafixos que usa  tratando de modo inspirador e revelador nuances relativas a palavras com a mesma raiz, como as duas acima referidas. Destas se faz, a seguir, na parte tocante à questão posta (duas palavras abaixo negritadas) e para além dela, a tradução Esperanto-Português:

Destas se faz, a seguir, na parte tocante à questão posta (duas palavras abaixo negritadas) e para além dela, a tradução Esperanto-Português:

Emocio: emoção

Emocia: emocional

Emocianta: emocionante; que emociona

Emociiganta: que faz emocionar; que faz que alguém emocione outrem

Emociiĝanta: que se emociona

Emociiva: emotiva; que é capaz de emocionar

Emociema: que é propenso a emocionar

Emociigiva: que é capaz de fazer emocionar

Emociigema: que é propenso a fazer emocionar

Emociiĝema: que é propenso a emocionar-se

Emociiĝiva: que é capaz de se  emocionar, que pode emocionar-se

Emocionta: que vai emocionar

Emociinta: que emocionou

Emociunta: que emocionaria

Emociigonta: que vai fazer emocionar

Emociiginta: que fez emocionar

Emociigunta: que faria emocionar

Emociata: que está a ser emocionado

Emociita: que esteve emocionado

Emociota: que estará emocionado

Emociuta: que estaria emocionado

 Etc., etc, etc. – é uma espécie de legos linguístico-caleidoscópico e complexo, ao olhos de quem não conheça a língua Esperanto, construído mentalmente, com relativa simplicidade, a partir de consabidas matrizes pré-definidas, de tal modo que, por exemplo, um português e um japonês, a partir das mesmas ideias que querem exprimir em Esperanto, encontram de certeza nesta língua, cada um de per si, nas antípodas um do outro, os mesmos morfemas… sem  esforço de maior.

Na língua portuguesa, tanto quanto se me oferece ver, o sufixo ou pseudossufixo “ivo/iva” pode ter três sentidos: 

  •  Ora contém/conserva a ideia de «capaz de» (por exemplo: competitivo; organizativo, instrutivo, recreativo, criativo, inventivo, construtivo, destrutivo, caritativo, edificativo, imaginativo, compreensivo, operativo, obsessivo, produtivo, emotivo, volitivo); 
  • Ora contém/conserva a ideia de  «propenso a» (esta ideia é expressa também, em algumas palavras,  com o sufixo -iço  –por exemplo: metediço, assustadiço, atiradiço, enojadiço, enfermiço); 
  • Ora contém/conserva ainda, a ideia  de «simplesmente ativo» (por exemplo: ativo, negativo, positivo, passivo, curativo, lenitivo, meditativo, pensativo, implicativo, cansativo, repetitivo, martelativo, restritivo, coativo, depreciativo, fugitivo,  representativo). 

 Portanto, três alternativas semânticas – polissemia dum sufixo ou pseudossufixo.

 A palavra emotivo – em contraste com a palavra emocionante – se bem atino, contém/conserva, no seu sufixo, a ideia de «capaz de», embora possa também usar-se com o sentido de  «propenso a». A etimologia e a comparação com outras línguas étnicas ou planeadas podem ajudar a confirmar ou infirmar este juizo.

Em esperanto, a partícula iv (ou iva/ivo, se se somar a ela a desinência a, própria de todos os adjetivos, ou a desinência o, própria de todos os substantivos,  existe, ora como pseudossufixo (por exemplo: aktivaakuzativo), ora como  sufixo não oficial (por exemplo: produktiva).

Sobre a  origem de -iv como sufixo não oficial em esperanto, o  Konciza Etimologia Vortaro  (Dicionário Etimológico Conciso), de Cherpillod, a p. 204, faz a conotação, respetivamente, com o italiano, espanhol, português, inglês, alemão, francês e latim, com o seguinte resumo:

«-iva: I H P -ivo, A -ive, G -iv, F -if/-ive, < L -īvus».

Sobre o mesmo morfema, informa Vilborg no seu  Etimologia Vortaro de Esperanto  (Dicionário Etimológico de Esperanto) reportando-se, respetivamente, ao latim, inglês, francês, alemão, italiano, espanhol, polaco e russo:

 «-IV/: Adj.-sufixo internacional derivado de L  (L -ivus; A -ive, F -if, G -iv, I[H] -ivo, Po -ywny, R -ivnyi), acrescentado à raiz supina dos verbos do L (acabada em t ou s), igual a  “-anta” [que está presentemente sendo, tendo, fazendo…], “-pova” [que pode] (vd. por exemplo: aktivaefektivakolektivakonservativakursivanegativapasiva). Muitos termos gramaticais há substantivados, nos quais a função adjetiva está facilmente subentendida, por exemplo: akuzativo (caso acusativo), imperativo (modo imperativo), substantivo (nome substantivo), superlativo (grau superlativo). O sentido é ativo (exceto: fiktiva). Nas palavras masiva, subjektiva o sufixo assinala somente a pertinência. – Nota. Em esperanto é idêntico ao  sufixo não oficial –iv (obras: Wü, PG, GD, PIV) com o sentido “-que pode, -capaz”, por exemplo: el/vok/iv/apag/iv/aprodukt/iv/a. [respetivamente, capaz de evocar, capaz de pagar, capaz de produzir]. Na língua internacional planeada Ido (língua-filha do Esperanto), o sufixo mantém-se -iv/a, […]»

No latim clássico, o  sufixo -īvus, além do papel mencionado por Vilborg, servia, se bem que menos frequentemente, para criar adjetivos a partir de substantivos, por exemplo:

fēstus > fēstīvus

fūrtum > fūrtīvus

O uso ativo do adjetivador -īvus  tornou-se muito mais frequente no latim pós-clássico. Em Boecius, por exemplo, encontra-se o adjetivo constructīvus, com o  significado «apropriado para construir».

O sufixo -iv  foi proposto, entre o mais, por Couturat na sua obra  Étude sur la Dérivation en Esperanto (1907), cuja 2.ª edição (1910), com o título Étude sur la dérivation dans la langue internationale, diz o seguinte:

 «Le suffixe iv se trouve en E. (-ive), en D. (-iv), en F. (-if, -ive), en I. et S. (-ivo), en R. (-iv’). Il est donc aussi international que possible. Le Novilatin du Dr Beermann l’adopte avec un sens vague; et l’Idiome Neutral l’emploie sous la forme -ativpour indiquer “une capacité ou possibilité”. Au pont de vue logique, les trois sufixes actifs ant, iv et em sont les analogues des trois suffixes passifs at, ebl et ind; les uns et les autres correspondent aux trois “modalités” (realité, possibilité, nécessité); et cette analogie justifie encore le suffixe iv.» (p. 42)

 Este sufixo tornou-se oficial na língua internacional Ido, aquando da sua criação (1908).

É ainda hoje controverso se o uso deste sufixo em  esperanto começou a ocorrer antes de Couturat o ter proposto em 1907 e se ocorreu antes de oficializado no seio da língua Ido

A fazer fé no artigo publicado em fevereiro de 1910 por Couturat, a propósito do uso dos sufixos -iv  e -ebl (respetivamente como ativo e passivo), na revista idista Progreso (II, p. 743-744), o sufixo -iv- terá sido colhido pelo Esperanto do Ido.

Em resumo, parece poder dizer-se que o  sufixo que em português tem a forma -iva/ivo- com o sentido de «capaz de»  tem já este sentido no latim clássico, ainda que em estado embrionário, no latim pós-clássico este sentido torna-se mais forte e mais frequente e nas línguas românicas ainda mais forte e frequente. Na língua Ido oficializa-se desde o seu início e no esperanto adquire o mesmo sentido, ou por empréstimo tomado da língua-filha Ido, sua concorrente, ou desde o próprio parto do esperanto.

Fazendo aplicação desta ideia, por amostragem, quando, por exemplo, se diz que alguém com comportamento desviante tem um temperamento “obsessivo-compulsivo”, possivelmente na senda do termo clínico inglês obsessive-compulsive,  parece que mais apropriadamente, do ponto de vista semântico-etimológico e glossocomparatístico, se deveria dizer “obsesso-compelido”.

E.t. – O presente apontamento, que começou como um jato de escrita, a propósito de uma resposta dada no Ciberdúvidas, foi, depois, a pedido deste escrevente, pluripontualmente afinado, desenvolvido e aprofundado pelo eng.º Gonçalo Neves,  interlinguista, latinista e esperantólogo, que faz parte do quadro de consultores do Ciberdúvidas.

Sobre o autor